segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

POR QUE NÃO EU?


Ele saiu de casa bem cedo, como fazia todos os dias. Depois de preparar  seu próprio café da manhã, com muito cuidado e máximo silêncio para não acordar a esposa e os dois filhos pequenos, se  despedia  deles com com um beijo. Eles ainda ficavam dormindo, mas sempre esboçavam pequenas reações quando o pai se aproximava para dar um beijinho de despedida à beira da cama. A rotina era a mesma. Mas nem ele, nem ninguém imaginava que aquele dia marcaria para sempre a vida de sua família.

Ao sair para o trabalho e pegar o carro na garagem como de costume, percebeu um barulho estranho no motor e, como não dava tempo de deixar o automóvel em casa e pegar uma condução, resolveu ir assim mesmo, pensando deixar o veículo numa oficina próximo ao seu trabalho. Mas, no trajeto, o carro enguiçou e acabou provocando um grave acidente que quase o levou à morte. Com ferimentos graves foi socorrido a um hospital local, numa ambulância do serviço de atendimento de urgência. A notícia do acidente chegou à sua família poucos minutos depois. A esposa ainda sentia o cheirinho do café que seu marido fez; a xícara, mal tinha acabado de respingar totalmente a água da lavagem no escorredor em cima da pia da cozinha.  

O que ocorreria à ponte
se o caminhão não estivesse lá?
Ele recebeu alta depois de 6 meses hospitalizado. Com o  benefício da seguridade social, os recursos eram menores, mudando quase que totalmente a rotina da família, pois não tinham acumulado economias suficientes para custear todas as despesas. A esposa, com muita dificuldade, agora com o marido preso a uma cadeira de rodas, teve que trabalhar e, para isso, precisou colocar os filhos numa escola e creche em período integral.  Até hoje ela pergunta: "Por quê essas coisas acontecem?  Por  quê as tragédias mudam a vida das pessoas para sempre?"
Na vida, vivemos sempre em busca de respostas, mas parece que mesmo aparentando resposta confortante, não era bem isso que gostaríamos de aceitar. É explicação que muitos procuram, mas a resposta parece não satisfazer, exatamente porque não nascemos programados para aceitar tragédias. A quem culpar? A sorte? O destino? A Deus? 

A linguagem que as vezes ouvimos para tentar minimizar a dor, e trazer algum consolo, só colabora para nos conformarmos com o que não podemos mudar. O que fazer? Perguntam alguns. A vida continua, dizem os mais práticos. Há os que apregoam que todos tem a sua hora determinada. Os espiritualistas consideram que mesmo não sabendo os motivos, precisamos aceitar que foi permissão de Deus, e até contextualizam a passagem Bíblica de que “não cai uma folha da árvore sequer, sem a permissão de Deus”. Os espiritistas consideram que foi simplesmente uma “passagem”  dessa para uma “melhor”, para um plano superior. Outros argumentos consideram até que os que morreram estão no céu, ao lado de Deus, olhando por nós. Não é raro ouvirmos que alguém morreu vitimado por uma bala perdida e, algumas correntes religiosas crêem que não existe bala "perdida", e que o projetil teria sempre um destino certo, no momento certo, para a pessoa certa. Outros procuram tirar "lições" das tragédias, fazendo uma introspecção de sua vida, imaginando se o fato lhes ocorresse, como estariam no momento. Outros dizem que essas ocorrências servem como um despertamento para cada um de nós reconhecer nossa fragilidade. 
Tragédia "anunciada" poderia ser prevenida?
Mesmo assim não estamos livres dela. 
O que não podemos negar, é que sempre recorremos a argumentos ou aceitação de idéias que nos confortem e que arranquem o pesar do coração, mas nada de concreto temos a não ser uma crença que conforte. Uma crença no invisível, em algo fora da nossa esfera de entendimento.

A aceitação daria um efeito analgésico para a alma, como um paliativo para convivermos com a dor, porém, sem o controle sobre sua causa.   Sejam  quais forem esses argumentos, contraditórios ou não, sob os variados pontos de vista e crenças, são meios  utilizados numa tentativa de  aplacar um pouco o sofrimento. 

E é proporcionalmente à maneira como se acredita, que naturalmente, como seres humanos, vamos tentando ajuntar nossos "cacos" pela estrada afora e nem sempre conseguimos recuperar o que perdemos completamente. No dia a dia,  vários casos ocorrem ao nosso redor. Quantos escapam da morte e  graves acidentes em frações de segundos, exatamente por não estarem no momento em que uma tragédia se abateu. Outros, simplesmente por não estarem no local costumeiro no mesmo dia e hora em que acidentes acontecem, nada sofrem. Mas quantos casos semelhantes em pequena ou grande escala podem estar acontecendo exatamente neste momento? Quantos escapam e quantos morrem? Mas é isso  que torna uma pessoa mais protegida, seja lá como acreditem pelo destino, pela sorte ou por Deus? Fatalidades ocorrem todos os dias e vivemos num ambiente propenso a isso: o trânsito, as construções, catástrofes naturais, as possibilidades e probabilidades de acidentes de todo tipo, seja  por falha humana, negligência, desatenção ou outros fatores determinantes, exatamente porque extamos expostos a isso, mesmo prevenindo. Prevenção não significa proteção. É a parte material e física que depende de nós.   

E, quantas vezes, não estamos na hora e no lugar que costumamos estar, e nada de extraordinário acontece e, nada, também, podemos provar que aconteceria se estivéssemos lá. Quantas vezes vamos e voltamos do trabalho e tudo ocorre dentro da normalidade, mesmo sendo espectadores de fatalidades ao nosso redor?

No ambiente em que vivemos,
as falhas de uns, de algum modo,
interferem na vida de outros.
Por que o outro e não eu? Para quem vive o drama, e para quem escapou ileso, é confortante dizer: “Deus olhou por mim”. E é importante crer assim. É confortante alívio quando vemos diante de nós, algo que consideramos miraculoso, atribuído a algo sobrenatural diante de um livramento. Mas o que dizer do outro? Deus o teria abandonado? 
Não creio que  há algo de especial nisso. O fato de alguém voltar para casa, exatamente antes de uma tragédia se abater no local onde estava,  talvez  não  teria muito a ver com proteção do além. Se o assunto for levado para o âmbito espiritual, Deus não haveria de salvar a uns e permitir que outros morram. Mas, nesse pensamento, caberia o que disse o Sábio Salomão: “a sorte  e o destino  estão sujeitos a todos”. 
Há algo que podemos prever e prevenir, mas nem tudo depende de nós; há muitas questões que fogem ao nosso controle. As interrogações são muitas. Não temos resposta. Por isso costumamos dizer, que todos estamos sujeitos a isso. Mas a palavra diz que "para Deus, a noite e o dia são a mesma coisa. A altura e a profundidade para Ele não faz diferença". A vida e a morte estão nas mãos dEle. 
Tudo está em Deus. Importa é saber como estaremos diante dEle no momento em que a nossa jornada aqui se encerrar. É nisso que vale a pena pensar. 


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

ESTÁ PRECISANDO DE QUÊ?


Ele estacionou o carro à beira da calçada do outro lado da rua. Era cedo. As portas das lojas fechadas. As ruas vazias, sem o movimento costumeiro do início dos trabalhos, daqueles que vem e vão. Mas ele olhou para um monte de panos velhos, cobertores e papelões debaixo da marquise de uma loja comercial.

Ele desceu do carro, atravessou a rua, olhando para o que parecia um monte de lixo na calçada, mas pelo jeito decidido como caminhava em direção ao local, demonstrava saber o que havia lá. Um homem estava deitado, coberto por aqueles panos numa manhã fria de inverno. O maltrapilho levantou os olhos quando ele se aproximou. Não estava acostumado com a presença de alguém perto dele, muito menos alguém que chegasse, olhasse para ele e demonstrasse algum sinal de amizade ou um sorriso. Para este mendigo, era comum as pessoas se desviarem pela pressa do dia a dia, sem sequer olhar em sua direção. Mesmo  estando ali, parecia invisível aos olhos dos que naturalmente passavam por ele; cada qual com seus dramas, suas preocupações, seus desafios. Mas é exatamente este o motivo justificado e, até relativamente compreensível sob o ponto de vista prático. 


Os problemas que passamos a enfrentar na vida, funcionam com "armadilhas" que nos prendem, e passamos a vida distraídos ou absortos tentando desatar esses "nós" que nos impedem a caminhada. Focamos o nosso olhar para esses "nós", e pouco nos importamos com o  que ocorre à nossa volta. "Não temos tempo". 
Encontra o sofrimento aquele
que busca apenas a si mesmo.


O homem acabava de atravessar a rua e chegar perto do sem teto. Abaixou-se ao chão, e olhando nos olhos, disse-lhe: O senhor quer comer alguma coisa? quer tomar um banho? 



Foram duas perguntas que mexeram com aquele homem. Estava diante de alguém que mostrou-se preocupado com ele. Primeiro porque certamente tinha fome; depois, por estar sujo, com roupas que precisavam ser trocadas. As perguntas foram feitas exatamente diante da necessidade urgente daquele pobre, até então, ignorado.



Mas se hoje,  alguém que vê sua necessidade urgente lhe fizesse a mesma pergunta, qual seria a sua resposta?


Vivemos numa sociedade individualista, onde amor e caridade parecem algo de outro mundo. Alguns rejeitam ajuda, exatamente porque é comum aprendermos que, "quando alguém nos dá com uma mão, nos tira com a outra".  Aprendemos, inclusive,  versos e provérbios que nos ensinam. Aprendemos o que não deveríamos: “quando a esmola é demais até o santo duvida”, ou: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Aprendemos a nos fechar, e até tentam nos convencer, que se passamos por algum problema, ninguém tem nada a ver com isso! 


É isso que nossa sociedade nos ensina e acabamos nos isolando na solidão, mesmo em meio à multidão, como se estivéssemos irremediavelmente perdidos. Passamos a ser duros de coração e "calejamos" nossos sentimentos com a indiferença, a ponto de não conseguirmos “sentir” a dor do outro, porque, se por um lado ninguém pode fazer nada por mim, obviamente não me interessaria em fazer nada por alguém.

Tornamo-nos frios em nossas relações. Passamos a  não confiar nos outros, porque aprendemos que precisamos nos proteger. Olhamos para o nosso próximo como nosso inimigo. Somos educados assim, por essa sociedade, mesmo em silêncio - ainda que o discurso seja o de unidade e fraternidade. São as ações que marcam. As ações ao nosso redor é que transformam a nossa maneira de pensar - muito mais do que o pensamento nos ensina como agir. Passamos a maior parte do tempo reagindo. Nos armamos contra inimigos que nos fazem construir na mente. Reagimos mais. Agimos menos. Só o sentido inverso,  poderá ser capaz de mudar o que vivenciamos hoje.

Esses atos viciosos podem gerar até interferência considerável na aceitação da graça de Cristo. Aprendemos que precisamos fazer por merecer em nossas questões humanas e, o que conquistamos, atribuímos ao nosso merecimento e, muito pouco, desenvolvemos o espírito de gratidão.
Só um coração generoso é capaz de sentir a dor do outro.


Não aprendemos muito sobre generosidade. E quando um coração generoso se abre para nós, sentimo-nos sem graça diante de uma ação do bem a nosso favor. Não sabemos como aceitar algo que nos é oferecido gratuitamente. 



Aprendemos a julgar aos outros, como a nós mesmos. Mas dificilmente podemos acreditar na real sinceridade de um coração generoso, se nunca praticamos um ato generoso. Se  somos aqueles que se desviam de um andarilho que se dirige a nós, certamente teremos dificuldade em aceitar que alguém se aproxime de nós perguntando: Você quer comer alguma coisa? Quer tomar um banho? – como perguntou aquele homem ao medigo deitado  enrolado em panos sob uma marquise.


Mas essa mesma pergunta ecoa até hoje. Jesus ensinou com suas ações. Quando Ele  abordava alguém ou quando era abordado, ali se processava a salvação. Ele se preocupa em perguntar:  “O que você quer que eu lhe faça?”


E, se hoje, alguém lhe fizer esta pergunta, o que você responderá?

E você, seria capaz de perguntar isso alguém?

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A LEI PODE SALVAR


O rapaz vinha “arrastando” seu pai, cujo braço arranhado pela queda que sofrera, firmava-se em volta de seu pescoço. Não conseguia trocar os passos. Literalmente era arrastado pela rua pelo próprio filho, que, com muita dificuldade, fazia de tudo para manter o pai em pé.

Ele era o mais novo de dois irmãos. A família já havia desistido de ajudar o pai, dependente alcoólico.  Se a teoria que sugere aos filhos seguir o exemplo dos pais fosse praticada, esse jovem também seria um alcoólatra.  Mas nunca bebeu. Não  se sabe o porquê. Se pelo sofrimento que via no pai toda vez que ele bebia; ou por não querer passar pelos mesmos constrangimentos do pai ao cair na sarjeta. Podemos levantar várias hipóteses sobre o porquê daquele jovem não fazer o mesmo que o pai fazia, pelo contrário, tornando-se uma mão companheira para ajudá-lo no momento em que todos da família já haviam desistido daquele homem.
A lei social penal jamais julgará a consciência. 


Certa vez perguntaram a ele: - Isso não te cansa? Por que você insiste em ajudar seu pai, se ele nem se esforça para deixar a bebida? O rapaz deu uma resposta simples e surpreendente: - Eu o ajudo, porque ele é meu pai.

Seria até relevante, se disséssemos que o menino se esforçou demais para ajudar ao  pai e, se levarmos para o lado do pensamento coletivo, poderíamos até considerar que esse menino não teria obrigação nenhuma de fazer pelo pai o que fazia e, como diz a regra, - os pais é que tem obrigação de amparar os filhos, ensiná-los e educá-los. É bem verdade, que essa reflexão não é condescendente quanto ao que chamamos de irresponsabilidade de certos pais a não cumprirem com seu papel. Mas é um olhar, que nos faz refletir, que nem tudo é como o que esperamos que seja.

A vida da gente não é como um cálculo matemático, mesmo havendo a lei das probabilidades. Aprendemos a tratar as coisas por “atacado” e pouco valorizamos as ações que fazem a diferença, no  “varejo”. O que de fato deveria ser  a  regra,  torna-se exceção, exatamente pela supervalorização que damos ao que ocorre em grande escala e, que, nem sempre, representa o amor, a solidariedade e a justiça.

Assim funciona em todos os aspectos da vida. O ensino que recebemos tem um “quê “ de ditatorial, até mesmo sob o pretexto positivo, de que as regras são inquestionáveis, e alguns julgam até que não aprendemos ainda sobre a liberdade, e  que, por isso, não estamos preparados para sermos livres. Por isso, vivemos sob uma alienação “propositiva”, como se fosse um cuidado para proteger os indivíduos,  que muitas vezes impede a nossa reflexão sobre muitas questões que nos ocorrem. Aprendemos a tomar decisões com base na cartilha que “decoramos”; vivemos até uma religião sob formato manipulado por sentimentos humanos  e percepções de determinados indivíduos considerados especiais, cujos discursos ou teorias são  difundidas como se fossem algo elementar a ser praticado. Isso, de certo modo, acaba tirando de cada indivíduo o poder de pensar; de exercer o juízo; de entender a razão das coisas. Não foi sem propósito que Deus nos soprou nas narinas - há algo especial nessa ação: O que haveria além do fôlego de vida no sopro de Deus, se os animais, que também possuem o foôlego de vida foram criados apenas pelo poder da palavra?
É mesmo o conhecimento das leis
que nos ensina os erros?
Aprendemos que a lei existe para nos mostrar o pecado, mas nos fazem esquecer, que a lei da consciência é a única capaz de nos fazer mudar de rumo. Ela extrapola a linha do direito e alcança o terreno do juízo. Aprendemos que as leis precisam ser respeitadas para a nossa proteção; mas nos fazem esquecer, é que seremos julgados pelo “juízo” mesmo, ainda que as  leis pelas quais somos submetidos nos proteja  por suas "brechas". A reflexão sobre o juízo que temos, e a consciência que formamos, é que finalmente trará às claras, diante de nós mesmos, não dos outros, nem de um tribunal aquilo que realmente somos e o que fazemos em relação ao que pensamos.

A única lei capaz de “salvar”, é a lei da consciência, aquela que jamais nenhum outro ser humano terá acesso.  É esta “ lei”, (a  consciência do bem e do mal) -  que cada um de nós tem inserido na mente, a única capaz de fazer com que reavaliemos a nossa vida; reconsideremos nossos atos, mesmo que diante das leis convencionais nada devamos. É a mesma lei que "apontou" ao casal no Éden que eles estavam nus. É o mesmo princípio da  lei que Cristo mencionou acerca do pensamento: "Não fez, mas desejou no coração". Quem poderá julgar  o desejo do coração?

Quem foi que disse que você errou? 
É a mesma “lei” que leva uma criança a se esconder dos pais, quando faz algo errado, mesmo sem os pais terem visto. É essa  "lei” que nos leva ao arrependimento, sob pena de uma consciência culpada. Por outro lado, há tantos absolvidos pela lei penal, mas continuam penalizados no tribunal da consciência.  E não há uma explicação óbvia para isso. 
Se, ao ouvir essa voz da consciência, não buscarmos a Salvação, não haverá perdão que exerça efeito em nossa vida. 

Se por um lado admitimos que a lei "protege" admitiremos, também, que ela pode "salvar", se cumprida. E, se por meio dela, aprendemos o que é certo ou errado, ela também nos salvaria da prática do erro se  a cumpríssemos. Talvez, seria muito mais fácil ser salvo pela lei, rezando por sua "cartilha". É só cumprir as regras. Seria muito mais fácil deixar de "pecar" pela lei e vivermos "certinhos", irrepreensíveis e piamente diante dos homens, cumprindo-a à risca. É só  olhar suas previsões e obedecer.  As regras nos salvam do castigo físico, material, dentro do plano previsível. Mas pela "lei" da liberdade, somos julgados pela razão, pelo juízo. Foi essa "lei" que a graça implantou.  Fomos perdoados para a liberdade, cuja lei, é mais espiritual do que física. Por isso, Jesus tratou tanto sobre hipocrisia, que é algo extremamente imaterial.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

QUANDO PERDEMOS O TREM...


O caminho está sempre aberto para a volta.
É a nossa decisão
que nos motiva a fazer o sentido inverso. 

Foi num domingo à noite, no verão de 1992, que experimentei um pouco a sensação  que vive alguém que não tem para onde voltar. Lembro-me de uma frase que disse certa vez o avô de minha esposa ao chegar em casa: “Coisa boa é ter um lugar para voltar”.  E isso o que ele falou eu senti, na prática. Entendi o que significa isso.

Nessa época, eu apresentava um programa de rádio na Solimões em Nova Iguaçu, e fui convidado por um pastor da Assembléia de Deus, que fazia programa na mesma emissora, a pregar em sua igreja, que ficava no 3º Distrito da cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, chamado Morro Azul do Tinguá, distante mais de 100 km do  Rio de Janeiro.

Preguei para uma igreja cheia, fervorosa, pois a  programação daquele dia foi divulgada em vários lugares, além do rádio.

Ao sair, quase perdi o último ônibus que descia estrada abaixo, na serra esburacada e escura, ainda  sem pavimentação. Cheguei à estação de Paracambi, quando fui informado que o último trem, que descia para a estação D.Pedro II (Central do Brasil) já havia partido. O próximo voltaria a circular só às 04h da madrugada.

Não tinha o que fazer. Fiquei alí, no banco da estação e já passava da meia noite.  Era bem em frente a uma das principais avenidas da pequena cidade e, de onde eu estava, fiquei observando o que se passava do lado de fora das grades que cercavam a linha férrea. Aos poucos, o movimento foi diminuindo. Os últimos bares fecharam as portas. Os carros, aos poucos, passavam com menos frequência. Os que estavam estacionados à beira das calçadas, começavam a deixar o local. De repente, as ruas ficaram vazias. Poucos andarilhos sem teto, eram vistos falando alto, com garrafas de bebida na mão que lhes serviam de companhia.  Eles acomodaram-se num banco de praça logo adiante. Os cachorros farejavam os latões de lixo em frente às lanchonetes. Alguns deles foram deitar-se perto dos mendigos, que os acariciavam. 

O movimento foi diminuindo. E eu ali, sentado no banco da estação, contando as horas para a volta do trem.
Saber que temos um lugar para voltar
é sempre um alívio. 


E comecei a pensar: Eu sabia que tinha uma casa para voltar. Ali, no banco da estação, sabia que tinha uma cama para dormir; roupas para trocar.  A expectativa  do  trem voltar a circular era uma realidade. Mas o que me restava era esperar. Esperar o momento de embarcar de volta para casa.

Quão horrível deve ser viver ao léu; sem rumo, sem expectativa; sem esperança. O andarilho, talvez, adaptado com a vida que leva, tenta superar suas “dificuldades” com os meios que desenvolvem. Acabam fazendo das ruas o seu lugar; o banco da praça a sua cama; o céu, o seu teto - acomodam-se, pelo simples fato de aceitar a situação porque parece não haver outra alternativa. É assim que somos orientados. Se não podemos mudar, precisamos aceitar. Mas essa visão de vida pode até acalmar-nos em certos momentos; trazer-nos conforto, pois, se não podemos fazer nada para mudar, deixa de recair sobre nós o "peso" da responsabilidade. Mas, vivemos uma vida mal resolvida. Há sempre algo lá no fundo da alma que clama. 

Se pararmos para pensar um pouco, vamos perceber que todos  somos como andarilhos aqui, esperando que um dia encontremos um rumo. Parece que estamos sempre no banco da estação, esperando o trem chegar. E nesse intervalo, quantas vezes procuramos meios para vivermos com mais conforto, ainda que  não sendo aquilo que realmente desejamos. Algumas vezes, muitos se acostumam com a situação e criam até raízes profundas onde vivem, como uma maneira de sobreviver. Mas, de fato, isso não nos tira da condição  de  “andarilho”, porque não completamos a caminhada. Ainda falta alguma coisa. 

Nosso deserto pode até florescer e nos dar conforto.
Mas corremos o risco de parar a caminhada.


Assim, vamos “costurando”, driblando nossos problemas; tentamos amenizar os impactos dos empecilhos do caminho; fazemos amizade com o perigo, para que ele não seja tão assustador; consideramos amigo aquele que nos dá um pedaço de pão ou que nos oferece alguma oportunidade. Assim vamos sobrevivendo. E, de vez em quando, no momento em que refletimos sobre a nossa vida, percebemos que algo nos falta. É algo profundo, espiritual; um vazio que não sabemos explicar. E, diante disso, tentamos nos distrair, para passar o nosso tempo buscar alguma coisa que disfarce nossa carência e que alivie a ansiedade. Mas esse vazio continua gritando dentro de nós. Porque temos uma casa para voltar. Com o tempo, vamos nos esquecendo, acostumando-nos, criando mecanismos de sobrevivência, no momento da espera. Se por um lado, esse mecanismo de sobrevivência nos conforta, por outro lado, pode nos fazer perder a vontade de voltar para casa. Porque, certamente, todos nós possuímos a capacidade de adaptação  e  de  renovação e,  isso desenvolvemos exatamente por termos saído de casa pela primeira vez.  Por isso é preciso manter o foco, o propósito, o objetivo de voltar para casa. É esperar no banco da estação, sem se distrair. É manter no coração o desejo de voltar. Porque a casa está sempre no mesmo lugar. O caminho pelo qual saímos de casa, é o mesmo que está aberto para que voltemos. Podemos até encontrar o oásis no deserto desta vida, mas ele não representa o fim da estrada. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

DINHEIRO SÓ COMPRA O QUE SE VENDE


A  maneira  como desempenhamos nossa função, a dedicação que temos e a disposição em realizar,  não tem preço.
          
 Eu estava produzindo o Informativo Solimões das 10 horas da manhã, quando o telefone do meu ramal na sala de jornalismo tocou. Além de redator e  locutor noticiarista na emissora, fazia locuções de chamadas, aberturas e fechamentos de programas. Fui chamado à sala da diretora comercial exatamente para fazer mais um desses trabalhos. Era considerado trabalho extra e dava sempre um bom acréscimo no salário.

O dinheiro é apenas um instrumento usado para satisfazer
nossas vontades e decisões. Nem sempre nossas
reais necessidades. 
Ao chegar à sala, estava a diretora comercial em sua mesa, como sempre, bem expansiva, sorridente, com uma xícara de café ao lado da máquina de escrever, dando uma baforada, descendo a mão até o cinzeiro sobre sua mesa, para bater a ponta do cigarro que fumava  e descartar a cinza acumulada na ponta. Ela terminava de bater o contrato do novo programa que entraria na grade da emissora na faixa da madrugada. Ali na sala, ela negociava com um homem um pacote de gravações de comerciais, abertura e encerramento  do programa que ele havia acabado de fechar com a emissora. Ele era um Babalorixá (Uma hierarquia de liderança do Candomblé). Estava vestido com  roupas  características: uma túnica branca; vários colares no pescoço, pulseiras, e anéis nos dedos.  Um bracelete, parecia de palha de milho trançada que marcava a parte superior de seu braço. Muito simpático, falante, voz forte, tomando uma xícara de café, - ali nos cumprimentamos com um aperto de mão.
No pacote proposto pela diretora comercial, eu gravaria o prefixo do programa e também os comerciais de seus patrocinadores, como lojas de artigos religiosos de Umbanda e Candomblé.
-Pois não, o que deseja diretora? - me apresentei.
-Tenho um trabalho para você, estou fechando aqui e é para hoje -  respondeu.
Ao ser informado do que se tratava, pedi desculpas e disse lamentar não poder atender. Ela foi enfática e direta: ele escolheu a sua voz. Ele quer você fazendo a locução.
Eu me dirigi a ele dizendo, desculpe, mas eu não daria à gravação o tom que ela mereceria. Não faria isso com credibilidade.
-Mas você é um profissional. Ouvi a sua voz e gostei, eu estou pagando pelo trabalho, ou você não quer ganhar dinheiro?
-A diretora sabe dos meus motivos -  respondi.
-Se você me convencer dos seus motivos eu poderia aceitar de maneira razoável, mas até agora não estou entendendo nada!
E respondi a ele: - Eu sou um Cristão. Não me sentiria a vontade gravando a abertura do seu programa, nem os comerciais de seus patrocinadores. Poderia até fazer como um profissional, mas tem coisa para mim, que vai  além  disso. É uma questão espiritual. É o que a gente sente, nem sempre aquilo que fazemos. Não me sentiria confortável, e acho que isso pode até interferir na vibração da voz e comprometer a credibilidade. Espero que me entenda.
É preciso ter nossos propósitos bem definidos
para dizermos não, sem pensar duas vezes. 

Ele ficou surpreso ao ouvir isso. Não me criticou, nem mesmo me taxou de preconceituoso. Disse que nunca deparou com uma situação dessa, a de alguém deixar de fazer algum trabalho por causa de religião. Disse ter entendido a minha sinceridade e que respeitaria a minha posição.

A diretora comercial conhecia os meus motivos. Naquele momento ela disse, ali mesmo, na frente do Babalorixá: -Elias, você não tem jeito mesmo né? Dessa maneira você não será uma pessoa bem sucedida na vida. Você precisa ser flexível. Misturar religião com trabalho não é inteligente.

Meses antes, eu teria rejeitado receber dinheiro para divulgar um Deputado Estadual no meu programa. Teria que promovê-lo, mediante um pagamento mensal. Eu disse a ele: por que o senhor teria que pagar para eu divulgar projetos e propostas que beneficiam as pessoas? Boas coisas precisam ser divulgadas e, se elas ocorrem mesmo, para quê pagar? O deputado acabou fechando para ser divulgado em outro programa da emissora.

Eu fico impressionado com a ligação que se faz do "bem sucedido", com o “ganhar” dinheiro. O fato de ganhar dinheiro,  pode estar desvinculado do sucesso como um todo. Ganhar dinheiro  é  um outro trabalho, é outra função. O  trabalho por si mesmo, não é necessariamente um meio de ganhar dinheiro. O trabalho é um meio de sobrevivência.
Dificilmente alguém ficará rico, fazendo parte do quadro funcional de uma empresa, com salário fixo, exercendo sua atividade como reza a cartilha da consciência.  Todo trabalho formal é remunerado, segundo o que é fixado pela empresa, por contrato assinado, por acordo.  Mas há outros fatores que devem ser observados. 
O dinheiro um dia acaba. A marca que deixamos é
para a vida. 
Há muitos bons profissionais que se sentem realizados na carreira, apenas sob o ponto de vista  do serviço  que  prestam e da disposição em serem úteis, mas essas questões  não tem valor comercial. Isso é impagável.  Esses valores imateriais não têm preço. É por isso que para alguns alcançarem os objetivos  sustentados pela ambição da riqueza, desprezam alguns desses valores, que, de fato, são inegociáveis. É preciso rejeitá-los para avançar nesse aspecto. As vezes, é preciso usar máscaras; não ter olhos nem ouvidos; acenar positivamente quando a consciência diz não.
Tive uma experiência crucial logo no início, quando estava entrando para essa rádio. Na primeira emissora em que iniciei carreira de locutor noticiarista, minha mente entrou em conflito em frações de milésimos de segundo. Pensei no meu futuro trabalho, como eu seria interpretado; como minha atitude interferiria na relação de trabalho com o diretor de jornalismo. Eu nem estava contratado ainda, estava no período de conhecimento da emissora, estagiando na redação. Mas minha decisão foi pela minha consciência, os valores que eu defendia.
Foi numa segunda feira pela manhã. Cheguei à sala de jornalismo para iniciar os trabalhos de estágio, quando o diretor de jornalismo me chamou. Antes, ele abriu a gaveta, pegou umas moedas, e levantando os olhos disse: -Elias, faz um favor para mim. Vá  ali  no bar da esquina e compra um Ritz longo? - Ritz longo? O que é isso? Perguntei. -É o cigarro que eu fumo. - Cigarro? Olha amigo, desculpe. Eu não fumo, sei que isso é um veneno, não gostaria de ajudá-lo nisso. Naquele momento ele se dirigiu à  auxiliar de limpeza a quem fez o mesmo pedido. Ela também fumava.
No mesmo momento me senti realizado em enfrentar  o temor sobre o que supus que poderia acontecer daquele momento em diante. Eu era um jovem, estava com 17 anos, cheio de sonhos para a carreira no rádio. O diretor olhou para mim, com uma expressão séria,  e  disse: -O primeiro teste que costumo fazer, é pedir para comprar cigarro.  Naquele instante minha mente já  havia se condicionado a  aceitar a reprovação segundo o critério dele. O diretor disse logo depois: -Eu gostei da sua sinceridade. Você é um menino em quem posso confiar.  Dali  para a frente ele demonstrou muito respeito por mim, pelo que eu pensava, inclusive em questões religiosas. De vez em quando pedia alguns conselhos; na área do jornalismo ele me deu oportunidade para acompanhar testes, dar opinião sobre pessoas que seriam contratadas, etc. Isso não me rendeu dinheiro. Essas  coisas  não tem valor comercial.
A  maneira  como desempenhamos nossa função, a dedicação que temos e a disposição em realizar,  não tem preço. Essa  característica  levamos pela vida, não importa o lugar onde desempenhamos nossas funções. É preciso ser flexível sim, mas essa flexibilidade não pode pender para o lado em que a nossa condição espiritual seja afetada.  É  preciso  estarmos  bem resolvidos em relação ao que fazemos e que propósitos temos na vida. Quando encaramos o nosso trabalho como uma missão, é um grande desafio ser “missionário” e negociador ao mesmo tempo. E ser um bom negociador também é um dom. E é bem sucedido aquele que o desenvolve de maneira coerente, ética e honesta, mas dificilmente também alcançará tão elevado grau de ascenção financeira, pois num mundo competitivo e de disputas acirradas, para um ganhar, outro tem que perder. Há os que preferem estar alheios a esse jogo. Não ganham, nem perdem, e jamais farão alguém perder. O que conquistam na vida é com muito esforço e sacrifício. O espaço que querem conquistar está sempre vazio. A zona de conforto  e a rotina sem maiores avanços tornam-se deprimente. Acreditam que é preciso fazer para acontecer. Para esses, se boa vontade e disposição não  tem preço, o maior pagamento é a sensação de missão cumprida. E dinheiro não compra tudo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O EXEMPLO VEM DE BAIXO


“Quando alguém que deve trabalhar em equipe, sente a necessidade de aparecer mais que os  outros, esse já não trabalha mais em equipe”
A motivação tem muita relação com o   que  fazemos, mas é o resultado que mostra a competência que temos. No mundo competitivo, em todas as áreas, somente os que trazem os melhores resultados ou, no mínimo, aqueles esperados, dentro das possibilidades óbvias, é que conseguem firmar-se e conquistar credibilidade. Mas tudo deve ser feito dentro da decência, honestidade e generosidade. Quando trabalhamos pensando apenas em nós mesmos, poderemos sair machucados de certas disputas. Nem sempre feridas expostas, mas feridas emocionais.  
O que propagamos a nosso respeito só é
identificado pelo que fazemos

Há os que se especializam no marketing pessoal, mas não avançam mais que isso. As mudanças que conseguem realizar ou suas conquistas são rasas, superficiais. Alguns podem executar grandes construções, mas com  bases vulneráveis. É o caráter de cada um que define que material usará nessa construção ou que tipo de arma usará para suas conquistas.

Os discursos prontos, a busca por relacionar-se com  pessoas influentes, de certo modo, pode causar boa impressão. Há os que se sustentam por aliar-se a pessoas importantes e influentes. Mas qual o resultado disso?  Quando entrei para o rádio, ouvi  o  diretor de jornalismo palestrando com sua equipe e  disse: “Quando alguém que deve trabalhar em equipe, sente a necessidade de aparecer mais que os  outros, esse já não trabalha mais em equipe. Quando um dos colegas vive às voltas com o chefe, ele está pretendendo alguma coisa de interesse pessoal”.

Certo dia, bem antes de começar a minha carreira de locutor, ao sair com minha caixa de isopor para vender picolé num ponto de ônibus, e ao estar quase fechando a venda para uma senhora, chegou outro menino, ficou entre mim e aquela pessoa e disse: “Compra o meu. O meu picolé é melhor”. Talvez essa atitude seja aplaudida por alguns motivadores nos tempos em que se ovaciona a ousadia como uma arma para conquistar o que se deseja, onde o fracasso de uns, serve de trampolim para impulsionar a outros.  Quem sabe esse menino saiu contando “vantagens” que teve ao conseguir derrubar a venda do outro e, em casa, ouviu: Esse é o meu menino! É isso mesmo, filho,  tem que batalhar para conseguir as coisas, se você não fizer por si, ninguém o fará.  

Para alguém vencer, outro tem que perder.
Nem sempre a disputa é justa.


 Essa filosofia, do "ninguém faz nada por você",  já faz parte do pensamento coletivo de uma sociedade egoísta e, mal canalizado, serve para nutrir ainda mais esse egoísmo que caracteriza a  natureza humana.  Lembro-me dos meus tempos de escola. Meu pai sempre me comprava duas canetas, duas borrachas, dois lápis e pedia para eu levar na mochila. Eu perguntei a ele o porquê, já que eu não podia usar dois objetos ao mesmo tempo. E ele respondeu: um você usa. Caso um colega venha precisar, você empresta para ele.

Era um contraste, uma voz destoante  no momento em que ouvíamos de muitos, que se você não fizer por você, ninguém o fará. É lógico que não vamos esperar a boa vontade alheia como se fosse uma obrigação, mas refiro-me ao fato de que certos conceitos acabam formatando o caráter das pessoas, e muitos passam a agir de maneira egoística como algo normal, praticável, justo. Matar para não morrer, seria uma atitude justa e fortalece ainda mais o provérbio popular: "Farinha pouca, meu pirão primeiro".
O grande risco de usar o outro como
degrau
é o de a estrutura não suportar


Eu fiquei muito impressionado com a atitude daquele menino vendedor de picolé como eu,  e apenas recuei; jamais agiria dessa maneira e não quis me impor, tendo que usar as mesmas armas que ele; e esse recuo me levou a refletir: Ora, o meu picolé era da mesma marca; compramos na mesma fábrica. E ele sabia disso, e  sabia que eu sabia. Mas ele gritou mais. Chamou atenção para si, fez barulho, e conseguiu vender. Adotou uma atitude oportunista, quando disse que o picolé dele era “melhor”.

Isso é um grande risco quando nos defrontamos com a prova do que dizemos sobre nós mesmos. Passamos a caminhar por terreno incerto quando pensamos que ser bom não basta. É preciso mais. É preciso mentir, colocar dúvidas; defender nossos interesses a qualquer custo, até mesmo prejudicando aos outros.  Jamais eu teria desenvolvido essa reflexão e esse olhar,  se tivesse usado as mesmas armas do oponente. Quando entramos numa briga, disputando o mesmo espaço, não enxergamos que as coisas podem ser diferentes, quando a generosidade é alimentada no coração. Teríamos uma sociedade mais justa e com menos diferenças. Esse exemplo vem de baixo e levamos conosco a qualquer lugar que ocupemos.  

Quando precisamos usar o outro para dizer que fazemos ou somos melhores é porque já deixamos de ser o que somos. Quando deixamos de ser o que somos, jamais aceitaremos os  outros  como  são.

Realizar bem nossa atividade sem depender de auto-promoção é uma questão de justiça e humildade. Usar quadros comparativos, oportunamente para vender uma idéia para, de alguma maneira, obter vantagens pessoais, é uma forma de incompetência criativa. O fato lamentável é que sempre aprendemos a usar o outro  quando precisamos falar bem de nós mesmos. 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

SÓ PODIA SER UM ANJO... MAS ERA UMA MULHER



Ele olhava as horas no relógio e caminhava apressadamente, tentando passar em meio a uma multidão que acabava de desembarcar do trem na estação de sua cidade. Mas o grande número de pessoas o impedia passar com facilidade. Com muita dificuldade continuava até que a multidão foi se dispersando, e cada pessoa tomando sua direção.
Cada indivíduo é uma vida, uma história!

Ele estava preocupado com o horário de chegar em casa. Preocupado porque havia algumas coisas para comprar  para a sua ceia de natal. O pagamento atrasou. E teve que esperar até o último instante para ter os recursos, os quais, já não eram suficientes nem para suas despesas comuns. Mas, a ceia de Natal, não podia passar em branco.

Ele trabalhava como servente e autônomo e, diferentemente de quem é empregado, não tinha cesta de natal para ganhar, como muitas empresas oferecem aos funcionários. Apressadamente, atravessando na frente dos carros, chegou ao supermercado que estava lotado. Mas, alí na calçada, havia uma mulher com o filho no colo. Ela, com uma receita médica na mão,  abordava as pessoas pedindo dinheiro para comprar o medicamento para o filho que chorava em seus braços.

Ele passou de longe, tentando fugir do tumulto de última hora, e sequer olhou para aquela mulher. Além do cansaço pelo esforço do trabalho, ele queria resolver logo o que precisava, para assim continuar o caminho de volta para casa.
Em meio à multidão, você não é mais um:
 Você é único.


Mas para a sua surpresa, quando saía do supermercado, percebeu que aquela mulher era sua esposa, que havia levado seu filhinho ao médico e precisava urgentemente do medicamento. Ela não conseguiu medicar o filho no posto de saúde, pois o local estava cheio e com atendimento precário. Ao deparar-se com a situação, ele entrou em desespero. Não sabia o que fazer naquele momento. O pouco do dinheiro que recebeu, havia gastado com algumas guloseimas especiais para que sua família tivesse uma noite de natal com um pouco mais de fartura. Sabia que as outras contas e despesas poderiam esperar até o fim da outra semana, quando receberia novamente parte do salário.

Um pouco mais à frente, uma família estava com o carro estacionado, e observava  a cena de onde estava. Prestou atenção em cada gesto do casal, e percebeu que eles estavam com problemas. Foi então, que descendo do carro, uma mulher, de boa aparência e bem vestida, se dispôs a ajudá-los. Ela fez o que se sentiu tocada a fazer naquele momento. Ela foi até à farmácia e comprou o remédio para o filho daquele casal e, mais ainda, levou aquela família em casa, dando a ela carinho, compreensão, e alguns presentes para seus filhos. Cena como essa, pode acontecer frequentemente no nosso dia a dia.

As vezes, preocupados com os nossos assuntos, nem notamos que diante de nós, há pessoas sofrendo. Quão bom é sabermos também, que em meio a multidão, há olhos que nos vêem, e mãos que vêm ao nosso encontro para prestar socorro. Todos os dias temos a oportunidade de ser útil a alguém. De emprestar nosso ombro, de ouvir sobre seus medos e anseios. Todos os dias, temos a oportunidade de sermos um anjo para alguém. É só olhar um pouco à sua volta. Faça isso, mesmo que a multidão, seguindo seu curso, não pare para olhar a quem caiu à beira da estrada. Numa dessas, você pode estar ajudando um filho seu.




quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

QUER JOGAR PEDRA? PODE JOGAR.


Eu ficava horas e horas ouvindo as histórias do meu tio Ludgero quando ia com minha mãe à sua casa para visitar a família dele. Ele gostava de conversar sobre tudo. Política, religião, relacionamentos. Mas o curioso,  que tudo o que ele contava era o que dizia ter visto. Era daqueles de acreditar nas coisas que via e percebia. Era um crítico ferrenho de religiões que exploram a boa fé de pessoas sem entendimento. Homem sincero, bom pai de família, saiu da roça ainda jovem, com destino ao Rio de Janeiro para ganhar a vida com trabalho duro. Foi juntando um pouco aqui, um pouco ali, até que construiu sua casa no bairro da Taquara em Jacarepaguá.  
Todos temos um "telhado" a proteger.
Não a qualquer custo. Nem sempre
podemos impedir que as pedradas nos atinjam.

À época, o bairro ainda estava começando. As casas eram construídas aos poucos, tijolo por tijolo. Na rua, a garotada brincava, fazendo suas travessuras, com brincadeiras nem sempre aprovadas pelos mais velhos, principalmente naquela época de regime militar. A educação era rígida. 


Em sua rua, morava um senhor, bem idoso. Morava sozinho. E de vez em quando, seu telhado era atingido por pedras jogadas pelos meninos da rua. E meu tio contava a história. Mas ele não contava por contar. Queria sempre fazer uma aplicação, ou reforçar uma de suas teorias com suas experiências e observação da vida.

Um certo dia, esse senhor,  já idoso, com dificuldade de andar, apoiado numa bengala, subiu as escadas cavadas no próprio chão de barro, para falar com os garotos. Ele já não suportava mais o incômodo do barulho das pedradas em seu telhado, que já haviam quebrado algumas de suas velhas telhas de cerâmica. 

Ao chegar lá em cima, no portão de madeira com ripas tortas e amarradas com tiras de pano, disse aos meninos:

-Olha aqui, meninos! Se vocês querem jogar pedra, podem jogar a vontade.  Mas jogue pedras pequenas, por favor... Essas que vocês estão jogando são muito grandes. Joguem pedras pequenas...
Diante de nossas fraquezas, fazemos concessões

O meu tio contava, e ao mesmo tempo eu pensava na maneira como aquele idoso lidou com aquelas crianças travessas. Não sei se o idoso temia coisas piores das crianças, por isso teria falado com todo aquele cuidado. A verdade, é que essa fórmula deu certo. Segundo o meu tio, as crianças nunca mais jogaram pedras no telhado de seu vizinho. Nem grandes, nem pequenas. 

Será que essa fórmula  daria certo hoje, ao "abrirmos a guarda" para determinadas ações? Eu penso que isso já ocorre. Mas diferentemente das crianças que se sentiram tocadas com o apelo do cansado idoso, nós queremos saber até que  ponto podemos errar, para não sermos prejudicados  ou punidos. Vivemos buscando brechas na lei, que possam respaldar nossas ações pretensiosas, frias e detalhadamente calculadas. Vivemos no limite e perigosamente entre o bem e o mal; ficamos divididos entre dois pensamentos e não assumimos a posição que devemos assumir, porque temos interesse na zona de perigo, porque lá,  ainda há algo que nos atrai. Deixamos de cometer erros, não porque é errado errar, mas por causa das consequências que esses erros poderão nos trazer. Deixamos de nos posicionar num grupo de maneira diferente, por medo das represálias ou da rejeição. Nesse ponto, partimos para a defesa: “ouça, fique entre eles; faça a política; você não precisa aceitar tudo o que fazem, mas fique lá, porque você precisa”. Noutros momentos ouvimos, como se fosse a voz daquele idoso com as crianças, talvez por temer uma reação mais agressiva: “peque, mas peque um pouquinho; se pecar muito vai chamar a atenção;  se quiser beber, beba, mas beba só um pouquinho”.


De chefe para subordinado: “Quer reclamar, não fale com todo mundo; assim você me expõe; eu sei que você tem razão; quer reclamar, reclame só um pouco; dê uma maneirada”.
Nem sempre ficar com a maioria é satisfatório

Dá para perceber, que em muitos aspectos da vida, precisamos manter um discurso ameno, ou relativizar certas coisas para sermos aceitos ou para a nossa própria defesa. É assim que acontece. O tratamento sincero é chocante, porque não estamos sendo educados e ensinados a aceitar as coisas como são, apesar do discurso de que ser diferente é normal. Não estamos aprendendo a tratar coisas pontuais de maneira inegociável e respeitosa. Tentamos barganhar com a consciência, simplesmente para estarmos bem com todos, e, por fim, conseguir um meio de nos justificarmos diante de nós mesmos, ao admitir: “Eu errei, mas foi só um pouquinho; ah, eu bebi, mas foi só um pouquinho para não fazer feio; eu pequei, mas não provoquei nenhum escândalo”.

Onde impera a lei do mais forte, estar do lado do forte é livrar a própria pele. É assim que nos comportamos em muitas situações. E, muitas vezes, pisamos sobre os nossos princípios. E aquela voz, sempre dizendo: Quer jogar pedra? Jogue. Mas jogue pedras menores!



Todos temos um "telhado" a proteger. Não a qualquer custo. Nem sempre podemos impedir que as pedradas nos atinjam. Proteger-nos de pedradas, em alguns casos, pode significar ignorar nossos princípios, relativizar e fazer concesões daquilo que não devemos negociar. Quando escolhemos viver sem levar pedradas, podemos, do mesmo modo, desejar uma vida sem propósito.