Ele
saiu de casa bem cedo, como fazia todos os dias. Depois de preparar seu próprio café da manhã, com muito cuidado e
máximo silêncio para não acordar a esposa e os dois filhos pequenos, se
despedia deles com com um beijo. Eles ainda ficavam dormindo,
mas sempre esboçavam pequenas reações quando o pai se aproximava para dar um
beijinho de despedida à beira da cama. A rotina era a mesma. Mas nem ele,
nem ninguém imaginava que aquele dia marcaria para sempre a vida de sua
família.
Ao
sair para o trabalho e pegar o carro na garagem como de costume, percebeu um
barulho estranho no motor e, como não dava tempo de deixar o automóvel em casa e
pegar uma condução, resolveu ir assim mesmo, pensando deixar o veículo numa oficina
próximo ao seu trabalho. Mas, no trajeto, o carro enguiçou e acabou
provocando um grave acidente que quase o levou à morte. Com ferimentos graves
foi socorrido a um hospital local, numa ambulância do serviço de atendimento
de urgência. A notícia do acidente chegou à sua família poucos minutos depois.
A esposa ainda sentia o cheirinho do café que seu marido fez; a xícara, mal tinha
acabado de respingar totalmente a água da lavagem no escorredor em cima da pia da
cozinha.
Ele
recebeu alta depois de 6 meses hospitalizado. Com o benefício da seguridade
social, os recursos eram menores, mudando quase que totalmente a rotina da
família, pois não tinham acumulado economias suficientes para custear todas as
despesas. A esposa, com muita dificuldade, agora com o marido preso a uma cadeira
de rodas, teve que trabalhar e, para isso, precisou colocar os filhos numa escola
e creche em período integral. Até hoje
ela pergunta: "Por quê essas coisas acontecem? Por quê as tragédias
mudam a vida das pessoas para sempre?"
Na
vida, vivemos sempre em busca de respostas, mas parece que mesmo aparentando resposta
confortante, não era bem isso que gostaríamos de aceitar. É explicação que
muitos procuram, mas a resposta parece não satisfazer, exatamente porque não
nascemos programados para aceitar tragédias. A quem culpar? A sorte? O destino?
A Deus?
A linguagem que as vezes ouvimos para tentar minimizar a dor, e trazer algum consolo, só colabora para nos conformarmos com o que não podemos mudar. O que fazer? Perguntam alguns. A vida continua, dizem os mais práticos. Há os que apregoam que todos tem a sua hora determinada. Os espiritualistas consideram que mesmo não sabendo os motivos, precisamos aceitar que foi permissão de Deus, e até contextualizam a passagem Bíblica de que “não cai uma folha da árvore sequer, sem a permissão de Deus”. Os espiritistas consideram que foi simplesmente uma “passagem” dessa para uma “melhor”, para um plano superior. Outros argumentos consideram até que os que morreram estão no céu, ao lado de Deus, olhando por nós. Não é raro ouvirmos que alguém morreu vitimado por uma bala perdida e, algumas correntes religiosas crêem que não existe bala "perdida", e que o projetil teria sempre um destino certo, no momento certo, para a pessoa certa. Outros procuram tirar "lições" das tragédias, fazendo uma introspecção de sua vida, imaginando se o fato lhes ocorresse, como estariam no momento. Outros dizem que essas ocorrências servem como um despertamento para cada um de nós reconhecer nossa fragilidade.
O que não podemos negar, é que sempre recorremos a
argumentos ou aceitação de idéias que nos confortem e que arranquem o pesar do
coração, mas nada de concreto temos a não ser uma crença que conforte. Uma crença no invisível, em algo fora da nossa esfera de entendimento.
A aceitação daria um efeito analgésico para a alma, como um paliativo para convivermos com a dor, porém, sem o controle sobre sua causa. Sejam quais forem esses argumentos, contraditórios ou não, sob os variados pontos de vista e crenças, são meios utilizados numa tentativa de aplacar um pouco o sofrimento.
E é proporcionalmente à maneira como se acredita, que
naturalmente, como seres humanos, vamos tentando ajuntar nossos "cacos" pela
estrada afora e nem sempre conseguimos recuperar o que perdemos completamente. No
dia a dia, vários casos ocorrem ao nosso
redor. Quantos escapam da morte e graves acidentes em frações de segundos, exatamente por
não estarem no momento em que uma tragédia se abateu. Outros, simplesmente por
não estarem no local costumeiro no mesmo dia e hora em que acidentes acontecem,
nada sofrem. Mas quantos casos semelhantes em pequena ou grande escala podem
estar acontecendo exatamente neste momento? Quantos escapam e quantos morrem? Mas é isso que torna uma pessoa mais protegida, seja lá como acreditem
pelo destino, pela sorte ou por Deus? Fatalidades ocorrem todos os dias e
vivemos num ambiente propenso a isso: o trânsito, as construções, catástrofes
naturais, as possibilidades e probabilidades de acidentes de todo tipo, seja por falha humana, negligência, desatenção ou outros fatores determinantes, exatamente porque
extamos expostos a isso, mesmo prevenindo. Prevenção não significa proteção. É a parte material e física que depende de nós.
E, quantas
vezes, não estamos na hora e no lugar que costumamos estar, e nada de extraordinário acontece e, nada, também, podemos provar que aconteceria se estivéssemos lá. Quantas
vezes vamos e voltamos do trabalho e tudo ocorre dentro da normalidade,
mesmo sendo espectadores de fatalidades ao nosso redor?
Por que o outro e não
eu? Para quem vive o drama, e para quem escapou ileso, é confortante dizer: “Deus
olhou por mim”. E é importante crer assim. É confortante alívio quando vemos diante de nós, algo que
consideramos miraculoso, atribuído a algo sobrenatural diante de um livramento.
Mas o que dizer do outro? Deus o teria
abandonado?
Não creio que há algo de especial nisso. O fato de alguém
voltar para casa, exatamente antes de uma tragédia se abater no local onde estava, talvez não teria muito a ver com proteção do além. Se
o assunto for levado para o âmbito espiritual, Deus não haveria de salvar a uns
e permitir que outros morram. Mas, nesse pensamento, caberia o que disse o
Sábio Salomão: “a sorte e o destino estão sujeitos a todos”.
Há algo que podemos prever e prevenir, mas
nem tudo depende de nós; há muitas questões que fogem ao nosso controle. As
interrogações são muitas. Não temos resposta. Por isso costumamos dizer, que
todos estamos sujeitos a isso. Mas a palavra diz que "para Deus, a
noite e o dia são a mesma coisa. A altura e a profundidade para Ele não faz
diferença". A vida e a morte estão nas mãos dEle.
Tudo está em
Deus. Importa é saber como estaremos diante dEle no momento em que a nossa
jornada aqui se encerrar. É nisso que vale a pena pensar.
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