quinta-feira, 21 de agosto de 2014

QUEM ACEITA AJUDA PERDE DIREITOS

No contexto das relações humanas, principalmente no que tange à esfera do poder e dos liderados, dos mais influentes e dos influenciados; do ativo e do passivo, é possível observar que, quem pede perde direitos. Quem aceita ajuda, perde garantias. Quem porventura maldiria a quem lhe deu o pão enquanto passava fome? Quem porventura se levantaria com fúria contra quem lhe estendeu a mão?

Certamente esse tipo de comportamento pode levantar acusações de ingratidão. Sim, a ingratidão existe, e os ingratos também. Porém é preciso em determinadas questões observar que quando algum tipo de ajuda é intencional, interesseira, não movida pelo sentimento de amor e compaixão, pode ser que o doador se sinta no direito de receber algum retorno daquilo que doou. A acusação de ingratidão vem à tona, quando aquele que recebe determinado tipo de ajuda, com o tempo percebe que a exploração e a retenção de direitos garantidos estão por trás desse ato de caridade dissimulado. "A torneira é aberta", mas a conta gotas, exatamente para não perder o controle e a manipulação. A supervalorização do que tem a oferecer acontece pela retenção, e a liberação ocorre quando o momento é conveniente. Aqueles a quem derrubam nos bastidores são levantados em público, com sorrisos, "sem ressentimentos." Há inocentes que vivem felizes com as manipulações e manobras; porém há inteligentes que as vezes se fazem de desentendidos apenas para manter uma impressão de harmonia e contentamento. Perde-se a dignidade em troca de coisas ou posições. Elogiam os desafetos - considerados ingratos - em sua ausência apenas para esconder seu caráter prejudicial e assim colocar em dúvida qualquer reclamo. Em muitos casos, o erro é da "vítima", que sem um respaldo maior passa a ser desacreditado. De muitos se fala: "Ele não soube aproveitar a oportunidade" - sem destacar que para aceitar a oportunidade precisaria jogar fora seus valores; perder a dignidade e ajoelhar-se diante de um sistema contraditório. 

Há quem receie receber ajuda, achando que a regra é que todos cobrem depois. Mas nem sempre é assim. Há os que fazem o bem com sentimento inteiramente altruísta e muitos sequer desejam ser identificados. 

Parece soar arrogante quando alguém diz que não precisa de ajuda, e o que quer é oportunidade para gerar seus próprios recursos, por seus próprios meios. 
Lembro-me nos anos 80 de um cego que todos os dias viajava no trem do ramal Japeri a Central, Central Japeri todos os dias. Diferentemente dos outros, ele não pedia "uma esmola pelo amor de Deus". Ele vendia seus livrinhos de poesias, e dizia ao passar pelos vagões: "Minhas poesias. Comprem minhas poesias. Não estou pedindo esmola, gostaria que vocês comprassem minhas poesias" e recitava trechos de algumas delas. 

Mas essa, sem dúvida, é uma arma estratégica para manter a manipulação sobre os menos favorecidos dos quais são furtados o direito de evoluir, de buscar seus ideais, pelo contrário. Estes são levados a esperar unicamente a quem lhes dê algo, e em contrapartida, exaltar a quem o bem lhe fizeram.  Lembrar o “bem” que foi feito, é sempre uma reivindicação de quem se sustenta com a legitimidade da aprovação popular. Isso se vê nos discursos, nas conversas e reuniões administrativas, em que se mantém sempre a discriminação entre doadores e necessitados; onde se exalta o maior, apontando o menor como instrumento de suas ações, o motivo de sua luta.

Gratidão não pode ser exigida, pois é um reconhecimento individual e de sentimento íntimo de quem recebe. A ajuda recebida que se transforma em sentimentos desconcertantes e falta de liberdade que resulte em desconforto, pode revelar por um lado, a inteligência emocional do indivíduo por suas percepções diante do fato, que por outro lado pode ser interpretado como uma resistência às exigências que nem sempre se manifestam de maneira direta, onde essa percepção pode ser notada nas relações pessoais do ajudador com o ajudado e  vice versa.  A verdadeira generosidade nunca receberá a ingratidão em troca e jamais lançará em rosto o bem que promove.
No âmbito político ocorre da mesma maneira. Aquele que se promove dizendo ter feito algum bem para a população, se sente no direito de receber aprovação dos eleitores como forma de “gratidão.” Quantos políticos acusaram o povo de ingrato por não os terem escolhido? E quantos outros batem no peito dizendo que o povo os escolheu porque reconheceu o bem que foi feito?
Politicamente, a discussão está sendo levada mais para o lado pessoal isolado do que para o campo do desenvolvimento da Nação como um todo. O governo alardeia em suas campanhas que o pobre hoje anda de avião, mas não diz que isso não o enriqueceu. Os problemas são os mesmos; dívidas, inadimplência; falta de saúde, educação, entre outros, de obrigação do governo previsto pela Constituição. A Constituição não prevê que pobre tem que andar de avião, mas prevê que ele tenha salário e renda para suprir suas necessidades básicas, inclusive o lazer; que devem ser garantidas a segurança, a saúde e a proteção da família.

Com base na oferta de consumo, sem se dar conta da capacidade de endividamento (ou seja, se não fosse por ação direta do governo algo não seria possível) – pois falta ao povo elementos essenciais para garantir seu futuro independente sem o financiamento governamental – o governo sempre se vê no direito de lançar em rosto em período eleitoral, encabrestando com suas benesses superficiais que geram forte apelo por apoio e gratidão. Parece que as conquistas  do  povo não se deve ao seu próprio mérito e competência.
Quando se fala de gratidão, no âmbito religioso, a questão não muda muito de figura. Ainda existe o apelo emocional que naturalmente ouvimos: “Jesus deu tudo para você, doou sua vida por você, e o que você faz por Ele?” – Ou seja, repercutindo o mesmo pensamento em outras esferas, no campo espiritual, entendemos que temos que fazer alguma coisa por Jesus porque Ele deu a sua vida por nós.

Mas diferentemente da interpretação humana, quando observamos a maneira como Jesus agiu  aqui na Terra em seu Ministério, entendemos que Jesus fez o bem por excelência. Ele fez o bem porque Ele é amor; o seu caráter e pensamento não se comparam aos pensamentos humanos e suas referências, e jamais pediu reconhecimento ou sequer lançou em rosto alguma coisa que fez ao necessitado. O bem que Jesus promoveu na vida do ser humano foi para a sua libertação. Jamais haverá ingratidão por parte daquele que não teve apenas seus pecados perdoados, mas que foi libertado do peso da culpa. O sentimento é natural, pois despoja o ego e exalta o caráter do libertador. Essa experimentação, sem dúvida, traz a exaltação do Salvador na vida do salvado, sem a necessidade de algum elemento manipulador que toque apenas na superficialidade das emoções, que se guia apenas por vistas e sensações temporárias. O indivíduo passa a manifestar a gratidão não por uma exigência ou uma obrigação a ser cumprida, mas por ter experimentado a renovação do entendimento. Assim quando ele apresenta um sacrifício a Deus, não é em troca do sacrifício que Deus fez por ele, mas por uma ação construída por elementos naturalmente formados no coração com base na semente espiritual que germinou e produziu frutos. O bem que Deus nos faz não serve como um elemento de troca ou para nos tornar seus escravos. Ele nos salva para a libertação, assim como Jesus perdoou a mulher que seria apedrejada até à morte, orientando-a a não pecar mais, para que fosse realmente livre. Certamente a gratidão do liberto não responde a uma exigência do libertador, mas de seu reconhecimento.

Deus, certamente, agrada-se da oferta sincera que fazemos aos outros e a Ele, sem nenhum sentimento de obrigação ou cumprimento de um dever, que por outro lado, jamais exige um ato de gratidão. Assim também entendemos que Deus nos amou e nos ama, não como uma obrigação de Pai que cumpre o seu dever, mas por seu caráter que jamais mudou e não mudará independentemente da maneira como recebemos o seu amor. Aquele que aceita o amor de Deus e seus benefícios, diferentemente das expectativas humanas, jamais perderá seus direitos garantidos por sua promessa, não só para a nossa existência aqui, mas para a Eternidade. Este é o dom gratuito de Deus.  


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