quinta-feira, 14 de agosto de 2014

CONTRA FATOS HÁ ARGUMENTOS, SIM.

Certa vez eu e meu irmão fomos à casa de um amigo de nosso pai. Seu Silva como era conhecido, um idoso ex-combatente do exército. Algumas vezes ele ficava meio perturbado ao lembrar dos momentos que viveu na guerra. No fundo de seu quintal, uma jaula e um macaco pequeno. Chegamos à beira da jaula e começamos a brincar com o animal, que parecia feliz; fazia caretas; expressões engraçadas, no momento em que seu Silva chegou.

-Ele está gostando da gente, disse ao amigo de meu pai.
Foi quando ele respondeu, perguntando:
-Quem te disse isso? Quem te falou isso? Como é que você sabe?

Na minha cabeça de criança, tentei entender o que ele quis dizer. Mas ele quis dizer exatamente o que disse. Como eu poderia afirmar que o macaco estava gostando da gente por sua reação aparentemente amistosa? Quem me disse que o macaco gostou da gente?  Certamente eu não podia responder pelo macaco. Como é que eu poderia saber sobre a “informação” que dei ao seu Silva?

Na verdade, essa experiência pode ajudar a abrir os nossos olhos até mesmo em relação às informações que recebemos inicialmente. Muitas vezes falta um seu Silva para perguntar: “Quem te disse isso, quem te falou isso, como é que você sabe?” Se avaliarmos essas perguntas,  colocaremos  em dúvida toda e qualquer informação inicial que chega até nós, por meio dos veículos de comunicação que tem o respaldo oficial das autoridades públicas para transmitir informações. Nem tudo o que vemos, é. Nem tudo o que pensamos é de fato o que é. Muito menos o que nos levam a pensar. Temos o costume de guiar-nos por vistas, o que inicialmente parece ser diante de nossos olhos e que adentram em nossos sentidos e percepções, se multiplicando por palavras que reverberam e se estendem a outros, que de igual modo não tem o cuidado de apurar. De certo modo nos acomodamos por confiar que a informação que recebemos tanto pelo que é  dito por terceiros, tanto aquela que imaginamos ao julgar segundo o que vemos, pode não ser o fato. Mas a frase “Contra fatos não há argumentos”, de certo modo arrefece ainda mais a nossa busca por apuração do que de fato ocorreu. De quem partiu a primeira informação? Quem teria dito aquela palavra que foi o ponto inicial de uma investigação?
Vozes paralelas e destoantes ocorrem, muitas vezes, de maneira proposital a desviar o alvo que deveria receber maior atenção, nem por isso devem ser ignoradas, pois pode revelar motivações para as ocorrências.
Se, em algum momento é desconsiderada alguma hipótese, na tentativa de desviar o olhar para outro aspecto de interesses não revelados, é nesse momento que o argumento do fato passa a ser a dúvida. E é, sem dúvida, esse ponto obscuro, que necessita de maior atenção.  Dúvida, sim, em  primeiro lugar, quando uma investigação é centralizada, institucionalizada; blindada; não independente. Em segundo lugar, deve-se considerar a quem interessa a verdade ou a fraude na investigação de algum fato.  Seja qual for o interesse, a verdade parece ser sempre a investigada por institutos oficiais que obedecem a um comando maior.  As informações oficiais repassadas ao público, certamente, serão sempre aquelas que se alinham com o interesse de quem quer informar, e sempre de maneira conveniente, que resulte em resposta positiva da parte dos ouvintes e espectadores da mensagem.
O papel de jornalista, por exemplo, deixa de ser exercido em seu caráter original, que é de ir a fundo e apurar as informações, mas o que se tornou hoje demonstra ser apenas um “repetidor” do pensamento coletivo; não emitir nada que seja uma “provocação” aos poderes constituídos, não porque não queira, mas porque não pode.
Mas temos uma arma poderosa em nós mesmos. O poder de colocar na balança tudo o que vemos e ouvimos. Não nos contentarmos com o fato que querem nos impor que o seja. Algum detalhe que escapa ou que fazem escapar, ao olhar com naturalidade ou aceitação “daquilo que não se pode mudar”, pode ser o ponto crucial para a busca da verdade. Contra fatos, sempre há argumentos. E quando argumentamos, não nos conformamos apenas com o acontecimento, mas buscamos a origem de sua causa. O fato é apenas um desdobramento materializado do que começou de maneira desconhecida.
Nunca deixe de perguntar, quando ouvir alguma afirmação: “Quem te falou isso? Quem te disse isso? Como é que você sabe?”
Indício não é prova; prova não é fato; fato não é o que se vê, mas o que se fez. E a dúvida, sempre haverá, pois ela é imaterial e inatingível. E dúvida não é condenação, é apenas julgamento. 


Um comentário:

  1. Os fatos não falam por si, devem ser interpretados e analisados. Se bastassem os fatos não haveria necessidade de ciência ou do contraditório no Direito.

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