Certa vez eu e meu irmão fomos à casa de um amigo de nosso
pai. Seu Silva como era conhecido, um idoso ex-combatente do exército. Algumas vezes ele ficava meio perturbado ao
lembrar dos momentos que viveu na guerra. No fundo de seu quintal, uma jaula e
um macaco pequeno. Chegamos à beira da jaula e começamos a brincar com o
animal, que parecia feliz; fazia caretas; expressões engraçadas, no momento em
que seu Silva chegou.
-Ele está gostando da gente, disse ao amigo de meu pai.
Foi quando ele respondeu, perguntando:
-Quem te disse isso? Quem te falou isso? Como é que você
sabe?
Na minha cabeça de criança, tentei entender o que ele quis
dizer. Mas ele quis dizer exatamente o que disse. Como eu poderia afirmar que o
macaco estava gostando da gente por sua reação aparentemente amistosa? Quem me
disse que o macaco gostou da gente?
Certamente eu não podia responder pelo macaco. Como é que eu poderia
saber sobre a “informação” que dei ao seu Silva?
Na verdade, essa experiência pode ajudar a abrir os nossos
olhos até mesmo em relação às informações que recebemos inicialmente. Muitas
vezes falta um seu Silva para perguntar: “Quem te disse isso, quem te falou isso,
como é que você sabe?” Se avaliarmos essas perguntas, colocaremos
em dúvida toda e qualquer informação inicial que chega até nós, por meio
dos veículos de comunicação que tem o respaldo oficial das autoridades públicas
para transmitir informações. Nem tudo o que vemos, é. Nem tudo o que pensamos é
de fato o que é. Muito menos o que nos levam a pensar. Temos o costume de
guiar-nos por vistas, o que inicialmente parece ser diante de nossos olhos e
que adentram em nossos sentidos e percepções, se multiplicando por palavras que
reverberam e se estendem a outros, que de igual modo não tem o cuidado de
apurar. De certo modo nos acomodamos por confiar que a informação que recebemos
tanto pelo que é dito por terceiros,
tanto aquela que imaginamos ao julgar segundo o que vemos, pode não ser o fato.
Mas a frase “Contra fatos não há argumentos”, de certo modo arrefece ainda
mais a nossa busca por apuração do que de fato ocorreu. De quem partiu a
primeira informação? Quem teria dito aquela palavra que foi o ponto inicial de
uma investigação?
Vozes paralelas e destoantes ocorrem, muitas vezes, de
maneira proposital a desviar o alvo que deveria receber maior atenção, nem por
isso devem ser ignoradas, pois pode revelar motivações para as ocorrências.
Se, em algum momento é desconsiderada alguma hipótese, na
tentativa de desviar o olhar para outro aspecto de interesses não revelados, é
nesse momento que o argumento do fato passa a ser a dúvida. E é, sem dúvida,
esse ponto obscuro, que necessita de maior atenção. Dúvida, sim, em primeiro lugar, quando uma investigação é centralizada,
institucionalizada; blindada; não independente. Em segundo lugar, deve-se
considerar a quem interessa a verdade ou a fraude na investigação de algum
fato. Seja qual for o interesse, a
verdade parece ser sempre a investigada por institutos oficiais que obedecem a
um comando maior. As informações
oficiais repassadas ao público, certamente, serão sempre aquelas que se alinham
com o interesse de quem quer informar, e sempre de maneira conveniente, que
resulte em resposta positiva da parte dos ouvintes e espectadores da mensagem.
O papel de jornalista, por exemplo, deixa de ser exercido em
seu caráter original, que é de ir a fundo e apurar as informações, mas o que se
tornou hoje demonstra ser apenas um “repetidor” do pensamento coletivo; não
emitir nada que seja uma “provocação” aos
poderes constituídos, não porque não queira, mas porque não pode.
Mas temos uma arma poderosa em nós mesmos. O poder de colocar
na balança tudo o que vemos e ouvimos. Não nos contentarmos com o fato que
querem nos impor que o seja. Algum detalhe que escapa ou que fazem escapar, ao
olhar com naturalidade ou aceitação
“daquilo que não se pode mudar”, pode ser o ponto crucial para a busca da
verdade. Contra fatos, sempre há argumentos. E quando argumentamos, não nos
conformamos apenas com o acontecimento, mas buscamos a origem de sua causa. O fato é apenas um
desdobramento materializado do que começou de maneira desconhecida.
Nunca deixe de perguntar, quando ouvir alguma afirmação: “Quem te falou isso? Quem te disse isso?
Como é que você sabe?”
Indício não é prova; prova não é fato; fato não é o que se
vê, mas o que se fez. E a dúvida, sempre haverá, pois ela é imaterial e
inatingível. E dúvida não é condenação, é apenas julgamento.
Os fatos não falam por si, devem ser interpretados e analisados. Se bastassem os fatos não haveria necessidade de ciência ou do contraditório no Direito.
ResponderExcluir