As aparências enganam, diz o provérbio popular. Isso se
aplica a muitas áreas da vida. Há muitos troncos de árvores bonitos por fora,
mas podres por dentro, que se revelam apenas quando vem a tempestade.
A sobrinha, precisando de dinheiro emprestado, procurou a tia
que mora do outro lado da rua: “Tia, me
empresta 100 reais?” Não é uma mulher de grande poder aquisitivo, mas
conseguiu com sacrifício e planejamento financeiro, terminar sua casa, uma das
mais bonitas do bairro; conseguiu comprar um carro zero quilômetro. Essa é a
aparência que leva os vizinhos a pensarem que ela tem altos ganhos. Na verdade
ela é diarista, e sempre teve em mente o sonho de uma vida mais confortável,
coisa que seus pais não conseguiram. No fim dos anos 1970, sofreu a amargura do
que é perder a casa própria. O pai vendeu uma casa para comprar outra, e a
inflação galopante desvalorizou o dinheiro que não foi suficiente para adquirir
o novo imóvel para dar conforto aos filhos. Ao chegar à casa da tia e pedir emprestado,
ela responde: “Não tenho esse dinheiro,
minha filha; o que eu tinha eu gastei fazendo os freios do carro.”
Lembro-me de um samba enredo que ouvia sem querer quando
criança, brincando no quintal com o vizinho ao lado ouvindo sua vitrola. Não me
lembro de quem cantava e qual era o nome do samba, mas o intérprete, já nos
anos 80, desejava “o leite sem água; a
gasolina barata.” Em outro trecho dizia que no passado “a vovó guardava a poupança no colchão” como quem dissesse que
muitos anos antes, ainda se podia guardar dinheiro e ele não perdia o seu valor
de compra, antes mesmo do mercado financeiro dominar a economia. Do samba para cá, o leite continua com água, e
a gasolina continua cara; a população de baixa renda tem conta em banco, mas não tem dinheiro.
Se hoje as pessoas conseguem adquirir bens materiais é por
fruto do trabalho e planejamento financeiro, que hoje se torna possível pelo
controle inflacionário dos últimos 20 anos. Isso não é dado estatístico. É a
realidade. Mas não é com facilidade. O cidadão ainda vive a insegurança financeira, tendo que trabalhar pelo menos 150 dias do ano só para pagar impostos. Quando está envolvido com a prestação da casa, reza para ninguém na família ficar doente. A coisa na verdade pode ter melhorado em parte para a população considerada miserável que não tinha o que comer, e agora tem, por subsídio do governo. Mas nada além disso. Não há maiores consequências positivas, pelo contrário: é cada vez maior o número de pessoas assistidas pelos programas considerados sociais do governo Federal. Isso é um forte sinal de que a vida da população não melhorou da maneira como alardeia a publicidade oficial. A saída de muitos da condição de miserabilidade foi apenas pelo fato de ter o que comer, isso é, sem dúvida, o básico; a base da pirâmide. Não justifica o auto aplauso do governo.
Uma coisa é aumento do rendimento do trabalhador; outra coisa
é seu planejamento para trabalhar com os recursos que possui, contando com o
papel do governo de criar empregos e manter a inflação sob controle. Isso não quer dizer que a vida do
povo está melhorando, pois, o que se vê é que as aquisições materiais são
restritas. É possível que o cidadão compre um carro zero quilômetro, mas seu
endividamento o impossibilita de fazer outra coisa enquanto paga as
prestações. Mesmo que hoje se diz que o
salário mínimo é o maior de todos os tempos, se você comparar o seu poder de
compra, não dá para fazer as compras básicas de supermercado, com o que era
possível há 20 anos para uma família de 4 pessoas. O salário aumenta, mas não
aumenta o seu poder de compra. Não se pode considerar como um resultado positivo
na vida do assalariado, apesar de o governo utilizar os números para provar que
hoje o salário é maior que o que foi pago anos atrás. Mas o que se deve
observar não é a quantidade do dinheiro, mas a quantidade que o mesmo dinheiro
é capaz de comprar no decorrer do tempo.
Esses dias, o ex-presidente Lula tentando exaltar seu governo
e cutucar “as elites”, da qual ele hoje
faz parte, - a quem atribui as mazelas do país – disse que “eles” ficam com
ódio porque “a empregada doméstica está usando o mesmo perfume da patroa e
frequenta a mesma festa”. O que não se fala é sobre o esforço ou planejamento
que essa empregada faz para adquirir coisas ao mesmo nível de sua patroa. Não
se faz análise, por exemplo, de sua
capacidade de endividamento e seu poder aquisitivo em relação ao da patroa, nem
de outras agregações de valores, sejam eles materiais ou educacionais que, tem
um peso tremendo para a realização na vida de uma pessoa, pois o que conta em questões de crescimento pessoal, não se limita apenas ao consumo e no poder de compra de produtos de marca, mas deve se estender às condições de trabalho, educação, o nível de escolaridade, acesso à saúde de qualidade, entre outros, que são deveres do Estado que deve cumprir com suas obrigações, cujos elementos são fatores para a ascendência na escala social, muito mais que a possibilidade de viajar de avião e comer mais carne de frango.
O Brasil já falou de fome, que afetava aqueles que não possuíam condições para adquirir alimentos e viviam à margem da desnutrição; também tratou-se da
segurança alimentar, que é a possibilidade de a pessoa comprar o alimento que
quiser, consumir o que escolher, não importa em que dia do mês, porque possui
recursos para fazer o que precisa. É poder comprar o iogurte do filho, sem precisar esperar chegar o dia do pagamento do salário. "O pobre anda de avião", como alardeia o Lula, mas não diz que a inadimplência do consumidor bate recorde.
Isso acontece em outras áreas também. Uma coisa é o cidadão se planejar para adquirir objetos, assumir compromissos com uma prestação; outra coisa é ter dinheiro para outras necessidades, mesmo gastando em outras áreas.
Aparentemente está tudo bem, mas a casa em que mora não está quitada;
o carro que comprou não está pago, e o IPVA atrasado. Certamente pesquisa como
esta não é feita com a população, para, pontualmente saber o que é realidade, e o que é número numa escala estatística. No fundo, vivemos sob o alarde político, de matérias fantasiosas de
que a vida das pessoas melhorou. O que existe, de fato, é a vontade individual
e o interesse em mudar de vida e, não é de hoje, que o brasileiro vive dessa
maneira. Se há ricos no Brasil, trata-se de pessoas que lutaram e trabalharam
para esse fim. O povo trabalha e o governo erra em usurpar o suor do
trabalhador em discursos que não dizem a verdade. É só observar a sua vida, a
do seu vizinho; dos moradores do seu bairro. O que mudou? Não passa da
superfície. Porque ainda não vivemos em um país desenvolvido, e que ainda se
ilude pela aparência, mas vive numa crise de identidade, apesar do endividamento
com as clínicas de cirurgias plásticas.
-Tia, me dá um carrinho de controle remoto no meu
aniversário?
-Puxa vida, deixa para o próximo? É que estou pagando a
prestação da prótese de silicone.
É possível que aquela pessoa que se esmera no trabalho para
pagar a prestação do carro novo, ainda “conte moedinhas” para comprar o pão.