quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

"SOFRI PORQUE QUIS"

Tanto a fartura, quanto a escassez
pode causar sofrimento
 Dificilmente ouvimos alguém declarar que sofre por que quer. Essa frase é dita quase que frequentemente na segunda ou terceira pessoa do pronome pessoal. As vezes, dizemos isso, até mesmo com base no nosso olhar em relação à outra pessoa, porque queremos mostrar que  a ela desejamos o bem, naturalmente depois de ter tentado fazê-la aceitar o que pensamos ser o melhor, segundo as nossas concepções. Quando chegamos ao ponto de dizer isso, poderemos estar passando uma idéia de julgamento, pois no fundo, cada pessoa explica uma razão para o seu sofrer. Motivos existem. E não são poucos. As vezes, diante do nosso olhar, pensamos que o outro sofre, mas para ele pode não ser considerado sofrimento, pois a maneira de encarar a vida e as experiências que vive, podem levá-lo a um aprendizado para "imunizar-se" das afetações externas. Há quem sofra por orgulho em não reconhecer que precisa ser ajudado. Há também os que sofrem pela consequência de tentativas, que após concretizadas levam a decepção, aflições e angústias e até mesmo a um profundo arrependimento. Muitas vezes nos aventuramos, até mesmo sob a vocativa da "adrenalina", desejando viver fortes emoções para nos sentirmos realizados e com sensações de bem estar, e nunca sabemos o que essa procura pode trazer além do momento em que nos beneficiamos com essas ações.
Tive a grande honra de entrevistar o considerado melhor e maior humorista do Brasil, Chico Anysio. Foi durante um programa de televisão que apresentei, cujo tema era  o tabagismo. Chico deixou de fumar em 1985, depois de ter feito várias tentativas, utilizando vários métodos, inclusive o de fumar cada vez menos cigarro até parar por completo. Aprendeu esse método com o ator Tarcísio Meira, como declarou na entrevista. Mas o curioso foi o que ele disse a respeito de si mesmo: -“Eu sofri para conseguir fumar; e consegui por uma grande insistência, porque queria ser aceito pelos meus colegas de escola, veja só que estupidez” – declarou. 

Percebemos que até com a expectativa de sermos felizes e bem aceitos, submetemo-nos a algum tipo de sofrimento. Chico queria se bem aceito pelos colegas – esse era o propósito dele – por isso aceitou sofrer para fumar pela primeira vez. Mas depois disso, só parou quando a doença já o afetava.
O mercado da cirurgia plástica promete melhorar
a auto-estima das pessoas insatisfeitas com  o corpo.
Seja na vida social, para nos sentirmos parte do meio, aceitamos sofrer: sofrer as dívidas ao adquirir coisas que podem nos trazer uma sensação de poder; sofremos a “fome” porque desejamos um corpo magro; sofremos os riscos de uma cirurgia plástica para melhorar a aparência que julgamos inadequada aos padrões impostos na sociedade. Do outro lado, sofre aquele que não consegue fechar a boca para adotar uma dieta; sofre o que vê a realização do outro, mesmo sem saber do endividamento e da realidade financeira do vizinho; sofre porque deseja um corpo "perfeito",  mas não tem dinheiro para custear uma cirurgia estética.

Seja na vida religiosa, o sofrimento e as penitências, parecem ser a cruz a carregar para alcançar algo melhor no futuro. Algumas religiões pregam até que é preciso entregar bens ou andar a segunda milha, para, por meio dessa disposição de entrega e sacrifício, conseguirem algum benefício. Motivados por essas promessas, acabamos por "pagar" o preço para alcançarmos o que desejamos.

Seja no amor. Muitos entendem que quando amamos de verdade, sofremos e somos capazes de fazer o que preciso for, para termos a quem amamos perto de nós.
Diante de tudo isso, ainda é difícil admitir que sofremos exatamente por que queremos demais, “além da conta”. É fácil entender, que mesmo tendo argumentos para justificar nossas ambições, queremos ter o controle de tudo: das realizações que adquirimos; do amor que conquistamos e do deus que elegemos para nos dar tudo aquilo que pedimos.  
Na verdade, sofremos porque queremos; sofremos porque vivemos; sofremos porque sonhamos; sofremos porque queremos buscar justiça num sistema injusto em que valores são invertidos; sofremos porque queremos não ser condescendentes com o erro e as corrupções.  O sofrimento vem porque queremos fazer parte; porque queremos  sentir que somos amados; porque precisamos em todo momento ser lembrado por alguém que amamos e consideramos. Sofremos até mesmo por achar que tudo está sob o nosso controle e ao acesso de nossas mãos. Seja qual for a nossa escolha. Enquanto estivermos neste mundo, sofreremos. Se vivermos piamente, sofreremos perseguições num mundo na contramão. Se vivermos impiamente, também sofreremos as consequências da nossa impiedade.
Sofremos por que queremos e por que não queremos
Somos seres sensíveis e até mesmo vulneráveis emocionalmente, quando somos tocados no ponto de nossas “feridas”. Essas feridas podem ser o nosso ego e vaidades pessoais. Normalmente estamos preocupados em fazer as coisas para provar ao outro, e isso nos causa sofrimento também – não por causa daquilo que conseguimos, mas por causa da sensação de vazio que só é preenchido apenas no momento em que estamos sendo aplaudidos e ovacionados. Quando a festa acabar, e recolherem-se os guardanapos caídos ao chão; quando as luzes se apagarem e o som daquela música não mais se ouvir, somos nós  quem sobramos. E ao nos recolhermos ao silêncio do burburinho, ao trocarmos a roupa de gala; os sapatos que apertam os pés; ao olharmos no espelho, sem maquiagem, o que sobra em nós é o que realmente vale a pena.
Se desejar, ouça a entrevista que fiz com Chico Anysio neste link:
http://www.youtube.com/watch?v=lGy--xnRnys

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