Ainda hoje continuamos crucificando os “cristos” e
soltando os "Barrabases”
Vivemos numa sociedade em que aquele que morre por “bala
perdida”, morreu porque “estava no lugar errado, na hora errada”, sem avaliar
que o erro não é de quem morre, é de quem mata. Alguns outros pensamentos
procuram apaziguar a consciência, talvez para tentar tornar os problemas menos piores;
em nossa sociedade, vozes se levantam contra os que criticam, sem avaliar os
motivos da crítica, tornando os críticos o alvo que não deveria ser. Para defender a 'alguns', acusam-se a todos e, de fato, pouco se cobra de responsabilidades,
e as discussões giram em torno dos efeitos, das consequências, não das causas. Até mesmo nos satisfazemos em apenas emitir nossa opinião, valendo-nos da "liberdade de expressão". Na
verdade, os “barrabases” - as causas - continuam ativas, e crucificá-las talvez
signifique o desmontar de um sistema que se especializa em criar o caos para “vender” soluções. O sistema é legítimo
e seus instrumentos são oficiais. De fato, as vozes consideradas destoantes, são as que
querem trazer luz aos olhos e o despertar da consciência de que o mal contra o qual devemos lutar, está em nosso modo de vida.
Recentemente um rapaz foi preso por furtar livros em uma
livraria para estudar. Quem chama a polícia para prender um “ladrão de livros” talvez merecesse ser
preso, se a falta de solidariedade fosse crime passível de punição pela
justiça. Mas os crimes de consciência não podem ser punidos. Não existe lei que
obrigue o outro a amar, porque se amar fosse uma lei, perderia o seu real
sentido. Mas não dá para fugir de suas consequências que acabam se exteriorizando pela
prática do que é nocivo ao semelhante. O que custaria para o denunciante, ao
invés de levar o caso à polícia, tentar ajudar o moço de maneira humana e
solidária? É porque qualquer "sombra" que vem ao nosso encontro é uma ameaça;
alguém que nos “encara” na rua, já
mete medo, ficar sentado num banco de praça "levanta suspeita", porque o ser humano está perdendo o amor. Por que o rapaz não pediu
então? Talvez porque ele tenha entendido como muitos de nós que viver numa sociedade egoísta faz, de certo
modo, que cada um lute segundo seus próprios interesses à sua maneira e nada
mais, se transformando num ciclo que circula sem parar.
Certa vez um ônibus quase foi desviado para a delegacia
policial porque o cobrador negou que um rapaz passasse pela roleta sem pagar a
passagem, após ter dito que não tinha o dinheiro e que morava longe. Um senhor
que observava a tudo, as falas do cobrador e do passageiro, ofereceu ajuda e
pagou a passagem do jovem, que o agradeceu sobremaneira. Certamente, nem o
cobrador, nem esse rapaz, muito menos esse senhor esquecerão disso. Pode ter sido uma
lição para os envolvidos ensinando que a generosidade e solidariedade
pode evitar muitos dramas.
Eu estava lá. Outra vez, uns meninos com entre seus 10 e 12 anos de idade
pareciam ameaça para os passageiros de um ônibus que saiu da Central do Brasil
com destino à Baixada Fluminense. Os passageiros
que estavam sentados na parte detrás do coletivo, começaram a passar na roleta
para fugir da situação. Os meninos com os pés descalços, short e sem camisa;
pareciam moradores de rua, pois o aspecto era de crianças que há muitos dias
estavam sem banho.
Um dos passageiros permaneceu no fundo do ônibus e aos
meninos perguntou:
-Vocês estão passeando?
Quando um deles respondeu:
_Estamos fugindo da FUNABEM.
À época, FUNABEM era uma entidade que abrigava menores
infratores (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor)
Eles não souberam explicar para onde iam:
_Vamos andar por aí....
Eles fugiram porque diziam ter sido
maltratados por outros menores internos
que os agrediam fisicamente. Mas por que esses meninos foram parar lá na
FUNABEM?
Um deles contou sua história.
Fugiu de casa porque o padrasto, alcoólatra batia nele. A
mãe, de igual modo, bêbada, não intervinha nas brigas e acabava deixando as
coisas como estavam. O menino saiu da escola em que estudava, porque seus pais
não davam condições para o estudo: faltavam lápis, caderno, e isso foi
desmotivando a criança.
É um caso isolado? É uma criança isolada?
Quantas vezes cruzamos com elas nas ruas, olhamos com
distorções e sequer paramos para perguntar: você está passeando? A partir daí
poderemos conhecer realidades que nunca conhecemos, e termos a oportunidade de
fazer o que nunca fizemos.
O sonho dele era ser mecânico. E, ao fugir de casa para
livrar-se dos maus tratos, enturmou-se com outros meninos com a mesma
realidade. Iam daqui para ali, pedindo coisas para comer; quando não ganhavam, roubavam; fugiam dos guardas
quando paravam em determinado local levantando suspeitas. Foi numa dessas que foi recolhido à FUNABEM.
Lembro-me perfeitamente nos anos 80 que uma vizinha de minha mãe começou a procurar por seu filho desesperadamente. O menino saiu com sua caixa de isopor para vender picolé no trem como fazia todos os dias. Mas nesse dia, ele não voltou para casa. A mãe foi a procura dele. Foi a programas de rádio e até no programa O POVO NA TV, mostrando sua foto e falando de seu sumiço.
O filho dela, jovem que ajudava sua mãe nas despesas domésticas, foi recolhido para a FEBEM por motivos não apresentados de maneira clara. Foi depois de sua aparição na TV que recebeu o comunicado sobre o local onde o rapaz se encontrava, sendo devolvido à mãe.
Cumprir a lei para retirar os meninos das ruas, sem sequer saber seus motivos, é a frieza com a qual convivemos. Não deixar um pobre passar na roleta por falta de dinheiro pra passagem por medo de perder o emprego, é atitude previsível, mas surpreendente quando alguém se arrisca em favor do bem. O Estado criar leis punitivas, sem ao menos considerar os fatores que levam à delinquência, corresponde a ato semelhante ao de Pilatos.
Lembro-me perfeitamente nos anos 80 que uma vizinha de minha mãe começou a procurar por seu filho desesperadamente. O menino saiu com sua caixa de isopor para vender picolé no trem como fazia todos os dias. Mas nesse dia, ele não voltou para casa. A mãe foi a procura dele. Foi a programas de rádio e até no programa O POVO NA TV, mostrando sua foto e falando de seu sumiço.
O filho dela, jovem que ajudava sua mãe nas despesas domésticas, foi recolhido para a FEBEM por motivos não apresentados de maneira clara. Foi depois de sua aparição na TV que recebeu o comunicado sobre o local onde o rapaz se encontrava, sendo devolvido à mãe.
Cumprir a lei para retirar os meninos das ruas, sem sequer saber seus motivos, é a frieza com a qual convivemos. Não deixar um pobre passar na roleta por falta de dinheiro pra passagem por medo de perder o emprego, é atitude previsível, mas surpreendente quando alguém se arrisca em favor do bem. O Estado criar leis punitivas, sem ao menos considerar os fatores que levam à delinquência, corresponde a ato semelhante ao de Pilatos.
É fácil agir com o rigor da lei por vadiagem, sem querer
tomar parte dos motivos. É como Pilatos, de novo, lavando as mãos apenas
para dar satisfação à sociedade, de que a justiça funciona, de que bandidos tem
que ir pra cadeia; onde os gritos "cadeia neles" tornam-se alívio do que está "entalado na garganta". Mas os "Barrabases" continuam soltos. Este é o
problema crucial do mundo. Queremos achar um responsável que tenha cara; que tenha endereço; Assim se foram Bin Laden; Saddam Hussein, Gaddaffi e outros, que
usavam seus métodos "legítimos" e também revolucionários, agindo sem piedade contra quem julgavam como
ameaça. E irão muitos outros, e virão mais; muitos estão aí, reinando, com ações respaldadas por leis que criaram e continuam criando para si mesmos. Mas a causa continua ativa. Os "Barrabases" continuam soltos. As vozes
destoantes do sistema, serão sempre as vozes “rebeldes”, e os que falam a
verdade são “fundamentalistas” porque o sistema é legitimo, e pela sua
legitimidade inocenta e condena a quem quer, ouvindo os “clamores da turba” sugestionada e orquestrada. Grande parte dos problemas do mundo seria solucionada com a
solidariedade e o amor ao próximo; quando a dor do outro nos incomodar também.
E que ao invés de desejarmos ao outro que a dor dele logo passe, que ofereçamos
a nossa ajuda para tornar sua dor menos agressiva; que ao invés de perguntar:
como vai, tudo bem? perguntemos: - O que eu posso fazer por você?
Mas ainda vivemos sob o pensamento de que cada um é
responsável por seus atos, e de fato isso é verdade, porém, não devemos deixar
recair sobre nós, o sangue daqueles que são entregues às feras. Tiramos de
sobre nós o peso quando dizemos: “Morreu
porque quis; bem que eu avisei.”
Os "Barrabases" continuam
soltos, porque seu “sangue” é inútil para salvar os inocentes. Por outro lado, nos dá uma lição, de que aqueles que vivem
de maneira digna, honrada e honesta, serão sempre 'crucificados' pelo sistema,
porque assim, o império do mal poderá agir livremente com todas as suas
injustiças, onde as contestações sempre colocarão em dúvida a credibilidade do contestador e sua legitimidade, pois contestador sob o ponto de vista oficial, é marginal. Assim, os "Barrabases", continuam soltos, legitimamente livres, e estão por aí, nas empresas, nas instituições públicas e privadas, na política, na economia... e aqui, do lado de fora, o que fazemos é discutir, opinar, até mesmo nos "inflamarmos" uns contra os outros com os nossos pontos de vista. Mas a causa, continua ativa. Os "Barrabases" estão soltos.
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