quinta-feira, 10 de março de 2016

COMIGO NÃO ACONTECEU NADA

Por mais "em paz" que estejamos, não estamos longe de conflitos e tragédias humanas e isso nos afeta e comove. Mas é preciso ir além disso. 

É um grande alívio quando há certeza de que aquele acidente não afetou seu parente. Que aquela notícia que alguém lhe passou a respeito do desastre estava equivocada,  e o que parecia um grande drama, deu lugar ao riso de alegria e abraços de comemoração.  É preciso ter grande cuidado e cultivar uma maturidade espiritual para que a esperança não nos torne pessoas frias, achando que tudo é assim mesmo, e que a vitória é lá no fim.  Como pode, por exemplo um pastor de igreja dormir tranquilamente, sabendo que um membro de sua igreja foi para a cama sem poder dar de comer a seus filhos? Precisa ter "inteligência emocional." É isso que a psicologia moderna ensina? 

É um grande alívio quando aquele ônibus que você perdeu e o deixou irritado por não tê-lo alcançado, não chegou ao seu destino; quando a enchente que passou arrastando tudo perto de sua casa, passou longe de seu portão. Mas, quem foi mesmo a vítima que se acidentou? E aquela família que teve que sair às pressas da casa invadida pela água da enxurrada? E a família que aguarda a confirmação dos nomes da lista de passageiros que foram internados no hospital?

Comemora-se quando o alarme é falso. Quando o diagnóstico está errado; quando o telefonema avisando o sequestro do filho  era um trote. Comemora-se porque o amor que une a família naturalmente é  centrado ao núcleo familiar, ao círculo de amizades. É natural as pessoas serem afetadas diretamente naquilo que tem relação com seus interesses.
Mas ao considerar o fato de que  todos somos  parentes, do mesmo modo comemoramos o alívio do outro. A dor que dói no outro, também dói em você. Mas há os que perdem a sensibilidade a tal ponto  que não conseguem  se tocar nem com o sofrimento, nem com a alegria dos que estão a sua volta. Seria isso normal?
-Mas olha como está o  seu amigo, cheio de hematomas pelo corpo, disse o repórter de uma rádio local ao homem na sala da delegacia de polícia.
-Comigo não aconteceu nada, respondeu de imediato ao repórter.
Os dois haviam acabado de escapar pulando o muro da clínica psiquiátrica onde estavam internados. Recolhidos pela polícia, aguardavam a chegada do responsável por eles na delegacia para depor e liberá-los.
Curiosa a resposta daquele paciente psiquiátrico ao repórter: “comigo não aconteceu nada.” Sim, havia o que se comemorar. Mas o companheiro de fuga dele estava machucado.
Será que é loucura pensar assim? Passar adiante, mesmo percebendo que alguém, no canto da rua se queda? Manter os passos velozes pela pressa, e muitas vezes fugir de situações que não quer enfrentar? Assistir o sofrimento alheio, ao mesmo tempo em que diz: “comigo não aconteceu nada?”
Os extremos são perigosos.  Tanto não se solidarizar com o sofrimento do outro, quanto abalar-se demasiadamente. Mas ninguém tem um botãozinho liga/desliga para acionar ou neutralizar as emoções. O que vale agora é a reflexão no momento em que aparentemente está tudo normal. O que você pensa a respeito disso? É exatamente o que vai se manifestar na hora do enfrentamento da situação. Ao fazer uma simulação mental a respeito de alguma possibilidade, imagine-se na cena construída. O que você visualiza é o que assimilou e que provavelmente será refletido em sua reação.  


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