segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CONSTRANGIMENTO POSITIVO?


Ela trabalhava fora. Saía cedo de casa, ainda  de madrugada, para chegar a tempo no trabalho. Enfrentava ônibus e trens lotados. Tinha dois filhos. O mais velho, de 13 anos estudava pela manhã e chegava em casa no início da tarde. O mais novo, ficava na creche-escola em período integral até a chegada da mãe. O pai trabalhava nas proximidades, numa banca de frutas e, o filho,  fazia-lhe companhia durante o restante da tarde. Mas, naquele dia, o filho chegou atrasado, diferentemente dos outros dias, como de costume, mas com um belo e reluzente relógio no pulso.  Com muita alegria, levantou o braço, aproximou o pulso do rosto, como que chamando a atenção para aquele objeto de valor. O pai, logo tratou de saber como havia conseguido aquele aquele relógio.

A educação que o menino recebia dos pais, aparentemente o instruia sobre questões morais, valores, respeito ao próximo, honestidade. O menino ficou meio sem jeito de dizer, mas falou que ganhou de uma pessoa na escola, sem dizer quem havia lhe presenteado. Mesmo sabendo que o filho era um bom menino, e confiante na educação que lhe dava,  o pai  procurou tirar a história a limpo. Disse para o filho contar a história direito, que só queria ajudá-lo e que confiasse nele. Ao chegar em casa à noite, conversou com a esposa sobre o ocorrido.
O " ralhar" precisa ter  propósito
educativo, não uma maneira de
descarregar raiva. 

Ela concordou que o caso fosse apurado, mas deveria fazer isso com muito carinho e amor, pois tratava-se de um assunto delicado e poderia causar inimizade do filho. Poderia deixar o menino constrangido, revoltado, ou até inseguro,  se ele demonstrasse desconfiança para com o filho. E foi assim que, decidido, o pai disse ao filho que iria à  escola com ele no dia seguinte e que gostaria de ser apresentado à pessoa que o presenteou, porque queria, de igual modo, em sinal de agradecimento,  presenteá-la também.

O pai, então,  preparou uma cesta de frutas frescas das quais vendia em sua banca,  e levou com ele. Ao chegar à escola, o menino apontou para uma senhora, que era conhecida como a “tia da limpeza”, dizendo ter sido ela que o presenteou com aquele relógio. Os dois se aproximaram daquela mulher. O pai do menino se dirigiu a ela perguntando se ela havia presenteado seu filho com aquele relógio. A mulher, com os olhos lacrimejantes disse ao pai daquele menino, que seu filho era um menino de ouro. E contou a história. Foi na hora do intervalo, na volta para a sala de aula: um colega havia se ferido numa brincadeira e sofreu um corte no braço e, ao ir para o banheiro lavar-se, escorregou no chão molhado e caiu. O menino o encontrou e  correu para avisar e chamar o socorro e não sossegou enquanto não recebeu a notícia de que o amigo estava bem. Depois disso, ainda ajudou a ”tia da limpeza” a limpar o local. Emocionada, ela se lembrou que seu filho também se acidentou certa vez, ficou gravemente ferido em um acidente de trânsito e, mesmo diante de tanta gente passando pelo local, ninguém o socorreu. Ele não tinha nenhum ferimento aparente e ela lembra que, por isso talvez, não tenha sido socorrido. Mas ela presenteou aquele menino, com um relógio que pertencia ao filho dela.

Essa história do menino, que levou o pai a desconfiar do objeto que estava com seu filho, levou à revelação de uma outra história. O menino foi elogiado por sua presteza e iniciativa em ajudar ao próximo. Mas, a maneira como o pai agiu diante desse episódio, demonstrou preocupação e cuidado com o filho. Esse pai, acabou descobrindo as atitudes positivas do menino longe de seus olhos. A preocupação em acompanhar cada ação, cada conquista e cada reação dos filhos, pode não significar  “controle” ou constrangimento, como muitos são tentados a pensar, por uma mentalidade moderna de educar sob o argumento de que o importante é assumir o que se faz. Lembro-me ainda nos anos 80 de um comercial de rádio, que anunciava shampoo, creme rinse e desodorante de uma marca que não se vê mais no mercado. Em uma das peças, o rapaz chegava tarde em casa, e levava aquele sermão do pai. Noutra peça, da moça que dormiu na casa do namorado.
Longe dos "portões" de casa,   a educação
recebida também se revela. 
A mensagem do comercial era de que o shampoo, o creme rinse e o desodorante daquela marca era usado “ por uma geração que assume o que faz”. Nesse caso,  “saber o que faz”, sugeria quebrar o modelo  da educação que os pais davam. Ou seja: não podia impedir aos filhos, de fazerem o que desejavam fazer, bastando apenas “assumir seus atos”.


Hoje em dia, diferentemente do passado, em que normalmente os pais inquiriam respostas, se preocupavam em saber o que os filhos faziam, onde e com quem estavam, existe um mercado tecnológico para ajudar os pais a monitorarem os filhos, sem dar a eles a chance do diálogo. Dispositivos são colocados nos computadores para "vigiar" em que sites e comunidades seus filhos estão acessando, até tornar possível saber em que teclas seus filhos digitam. Cada vez mais, isso revela o distanciamento presencial dos pais e, com os recursos tecnológicos que oferecem o monitoramento passam a viver uma falsa sensação de estar cumprindo com seu papel. Mas na verdade, o  monitoramento só revelará o que os filhos acessam, não os motivos que os levam a buscar no mundo virtual o que não conseguem obter dentro da realidade em que vivem. O monitoramento constata apenas um fato, mas não resolve seus motivos.
No caso da "geração que assume o que faz" em muitos casos, quando se chega a assumir, mesmo sob aplausos pelo reconhecimento de responsabilidade, esse “assumir” pode ser o extremo, onde nem sempre se recupera o que se perdeu. Assumir uma atitude, mesmo pagando por suas consequências é um ato egoísta, pois nem sempre o lado prejudicado é ressarcido; o que foi destruído, nem sempre pode ser recomposto.  
Educação, vai além de informar ou corrigir.

A educação forma o caráter. E isso saberemos nos momentos em que saímos dos portões de casa e ganhamos vida própria. Importar-se com os filhos, seja em que situação for, também significa cuidado e amor.

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