quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

QUEM É QUEM


Era um menino ainda franzino e, quem o via trabalhar, sentia piedade; outros comentavam sobre sua coragem e disposição, não por que ele trabalhava, mas, pelo que fazia. Para um menino de 09 anos, ajudar descarregar o caminhão de verduras de seu José era trabalho pesado. Quem olhava de fora tinha opiniões diferentes. Uns comentavam, até com certa admiração, o fato de um menino tão pequeno fazer o que fazia, enquanto outros brincavam. Outros diziam ser um absurdo aquele menino carregar aqueles caixotes cheios de verduras. Mas o curioso era que o menino não era empregado de seu José. Ele fazia por que queria. E, assim era nas redondezas com a vizinhança. Diversas vezes encontrava-se com vizinhos que desciam do ônibus com sacolas de compras e se prontificava a ajudar levar o peso até em casa.

Ele não era um menino de rua. Morava ali mesmo no bairro. Tinha outros irmãos mais novos. Seus pais eram bons vizinhos e pessoas honestas, apesar de pobres e ter uma vida difícil. Gostavam e orgulhavam-se da maneira como seu filho ajudava as pessoas. Em casa era a mesma coisa. Sempre prestativo.

Mas ele decidiu trabalhar. Comprou uma caixa de isopor, e começou a vender picolé no centro da cidade onde morava, exatamente num momento muito difícil para seus pais. Seu irmão menor ficou doente e, os recursos da família, não eram suficientes. Apesar de pouco dinheiro obtido com a venda dos picolés, dava para ajudar em outras coisas - por exemplo, comprar pão e leite - algum alimento para casa, o que já ajudava.

Certo dia, ele chegou perto de um homem e ofereceu o picolé, dizendo: "Compra, moço; compra pra me ajudar; eu quero ser alguém na vida".

Erramos ao associar o que as pessoas fazem
ao que elas são.
Aquele menino, tão prestativo e de grande amor no coração pelas pessoas e pela família, pedia ajuda para ser alguém na vida. Dando atenção ao pedido do menino, ele o perguntou: "O que é ser alguém na vida? O que quer ser? O que você pensa que lhe faria alguém na vida?"
Talvez o menino não tivesse noção exata do que estava pedindo. Muitas vezes, até mesmo por vício de linguagem, alguns se manifestam dessa maneira, com o objetivo de sensibilizar aos outros para aquilo que oferecem, como no caso dessa criança, que oferecia seu picolé, sob o pretexto de que sua venda o ajudasse a ser “alguém” na vida.
Diante daquele homem, o menino disse apenas, que queria vender seu picolé. E aquele homem disse ao menino: - Todos nós, somos alguém na vida. Você é alguém. Insubstituível. Você é único; não há outro igual a você.


É fato que aprendemos a avaliar sobre o que vemos.
É necessário mudar o olhar para enxergar.  


A verdade, é que aprendemos que ser alguém, é ter uma profissão que nos dê estabilidade ou notoriedade; aprendemos que ser alguém é portar um diploma universitário; é alcançar status social; conquistar o primeiro lugar nos objetivos que perseguimos. É certo que tudo isso pode ajudar uma pessoa a tornar-se  requisitada e até mesmo reconhecida. Mas é o alguém que há por trás desses desejos, desses sonhos; é o alguém que conquistou o status, o diploma, a notoriedade, que é importante. 



O que fazemos pode dar uma ideia
de nossas condições.
Não do que somos. 
Não são as coisas ou conquistas que nos fazem alguém na vida. É por sermos alguém, que conquistamos. A visão contrária, torna pessoas escravas de suas buscas, como se a realização nessas esferas da realidade humana fosse o principal, um fim em si mesmo ou o que bastasse. Aprendemos a trabalhar no sentido inverso, a ponto de nos sentirmos valorizados apenas pelo que temos, não pelo alguém que somos. Aprendemos a nos sentirmos satisfeitos, apenas quando fazemos parte do grupo consumidor; dos que são aplaudidos ou ovacionados por alguma realização que agrade o seu grupo. Aprendemos a não nos contentarmos apenas com a idéia de sermos alguém como somos: Únicos; insubstituíveis. Esta parece uma visão romântica diante da praticidade que a vida que construímos nos exige. Passamos a viver a vida reagindo mais, e agindo menos. Os que tocam a música, querem que dancemos segundo seu ritmo e, dificilmente, paramos essa música para trocá-la. Perdemos o auto controle e vivemos sob controles sugeridos. Viver o sentido inverso, do que coletivamente aprendemos causa sofrimento e, dificilmente, seremos compreendidos como somos. Desta forma precisaremos sempre de uma "escora" para sustentar-nos; é uma sustentação vulnerável, insegura que, quando a perdermos, sobrará exatamente o alguém que somos e que não aprendemos a aceitar. 

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