“Eu sofro de artrite e meus remédios acabaram; minha mãe fez 100 anos na semana passada e não temos nada para comer
em casa”.
Quando cheguei
a Governador Valadares, jamais imaginei a importância do trabalho que eu teria
a oportunidade de realizar nesta cidade do Leste Mineiro, através da Rádio
Educadora Rio Doce. Foram nove horas e meia de ônibus do terminal rodoviário
Novo Rio, no Rio de Janeiro, até lá, quando descarreguei a pequena bagagem com
algumas poucas peças de roupa no quarto do hotel Panorama, que ficava atrás da
prefeitura. Ali, sozinho, diante do desconhecido, sem saber o que viria pela
frente, sem ao menos ter um lugar certo para morar, pedi a Deus que me ajudasse
naquela nova etapa da minha vida profissional e missionária. Fazia muito calor
naquela noite de Agosto, 1996. Abri a janela para ventilar o ambiente, mas o
mormaço pairava no ar. Liguei o ventilador para ajudar a aliviar um pouco mais.
Foi uma noite mal dormida. Além do calor, a expectativa do trabalho a
ser realizado, a idealização dos
projetos, o programa que apresentaria em substituição a um radialista muito
conhecido na cidade, que dividia seu trabalho com outra emissora. Foi um
locutor herdado da emissora que a Igreja Adventista adquiriu. Além de trabalhar
em uma outra rádio da cidade em programa
popular, ele era também locutor da prefeitura que atuava como mestre de cerimônia
em eventos especiais, além de animar o trio elétrico em eventos festivos. Era
momento de transição. A Rádio Educadora Rio Doce, que passou a ser Novo Tempo
teve sua programação reformulada aos poucos.
Naquela noite acontecia um evento da
prefeitura na cidade, com trio elétrico em alto volume; o locutor fazia a
apresentação com muito profissionalismo e domínio. E eu ali, deitado, com
ouvidos atentos ao que ocorria do lado de fora. Eu não sabia, mas aquele era
exatamente o locutor a quem eu substituiria na rádio, no horário da manhã, pois
ele já estava de saída da emissora. Naquela
rádio, Deus me deu várias oportunidades para tornar-me tornar útil às pessoas que procuravam ajuda.
Alguns casos me marcaram bastante e, pude com isso, ter a confirmação que o
papel da comunicação no rádio vai muito além de um trabalho profissional artístico, e que Deus havia me chamado
para essa missão.
Ela já tinha seus 74 anos de idade.
Andando com dificuldade, apoiada por uma bengala de madeira, chega à recepção
da rádio Novo Tempo de Governador Valadares-MG e diz à recepcionista: “moça eu preciso de ajuda, não tenho nada em
casa para comer”.
Era meu último dia na rádio, outubro
de 1998. Estava de malas prontas e passagem comprada esperando a hora do
embarque para o Rio de Janeiro naquela
noite. Quando fui chamado à recepção para atender aquela senhora, meu
coração ficou apertado com sua declaração: - eu sofro de artrite e meus
remédios acabaram; minha mãe fez 100 anos na semana passada e não temos nada
para comer em casa. Ela
é cega, e vive em cima da cama- disse com voz embargada. Naquele momento
perguntei sobre os filhos dela e a resposta me doeu ainda mais: -estão todos em Belo Horizonte
e não mandam notícias há muito tempo;
não temos condições de procurá-los - explicou.
Depois daquela breve conversa, não demorou muito para eu voltar ao ar,
e fazer um apelo por dona Bárbara. O quadro “alguém precisa de você”
entrou logo depois da propaganda eleitoral para prefeito extraordinariamente, pois eu já havia saído do ar. Nesse dia, o
programa não recebeu nenhuma ligação para ajudar aquela senhora. Fiquei muito
preocupado com a situação dela. Desde sua estréia, o quadro do programa nunca
havia deixado ninguém sem ter seus problemas solucionados, desde pedidos de cesta básica, remédios, empregos a enxoval de bebê.
Depois de feito o apelo no ar, voltei à recepção para falar com ela novamente . - A senhora pode ir para casa. Deixe seu endereço comigo que vou levar seus alimentos mais tarde - prometi. Ela agradeceu, com lágrimas nos olhos, e, levantando-se da cadeira, apoiada em sua bengala, foi embora.
Depois de feito o apelo no ar, voltei à recepção para falar com ela novamente . - A senhora pode ir para casa. Deixe seu endereço comigo que vou levar seus alimentos mais tarde - prometi. Ela agradeceu, com lágrimas nos olhos, e, levantando-se da cadeira, apoiada em sua bengala, foi embora.
Não pude aceitar o fato de aquela senhora continuar sem alimento
Eu, apresentando o programa Manhã Total. 1997 |
Com a ajuda de um comerciante que
tinha um restaurante em frente à emissora, passamos nas casas dos ouvintes e no
supermercado; enchemos metade da Kombi e rumamos para o bairro Mãe de Deus, uma
área carente e sem muita infra-estrutura; o esgoto corria a céu aberto e
crianças se divertiam descalças e sujas entre porcos, cachorros e galinhas em
plena rua. Quando dobramos a esquina do
endereço que dona Bárbara nos informou, o carro teve dificuldade em subir
aquela rua esburacada, com covas abertas provavelmente pelas enxurradas das
chuvas. Ao chegar no final da rua, num local plano, avistei dona Bárbara.
Estava ela sentada com uma vizinha, com os braços apoiados em sua bengala, com
expressão desolada como se aquele dia anoitecesse sem ter a resposta que
precisava. Ao pararmos em frente ao portão feito de ripas velhas, entre cerca
de arame farpado, a reação daquela
senhora não foi outra senão reunir forças nas pernas já debilitadas pela
artrite e sair gritando no quintal, adentrando a porta da sala: -Mãe, o moço da rádio veio nos ajudar.
Ao entrarmos no quintal com as
doações, os vizinhos vieram auxiliar. Dona Bárbara já voltava saindo da porta
da sala ao nosso encontro e me levou ao quarto de sua mãe, magra, cabelos branquinhos e, sentando-se com
dificuldade, encostando-se na cabeceira da cama, naquele quarto em penumbra,
úmido, janelas fechadas, onde uma lâmpada fraca iluminava o ambiente. Ao lado
da cama um criado mudo, um copo dágua e uma Bíblia aberta com folhas
amarelecidas, como se agarrasse à fé. Seus braços se estendiam como quem oferece um abraço.
Sentei ao lado dela, e a abracei forte, demorado. Minha mão em suas costas, sentiam sua magreza e as
mãos dela em meu ombro deixavam clara a sua debilidade. Com voz trêmula e fraca
ela disse: -meu filho, que Deus lhe dê
muita paz e muita saúde, eu não vou me esquecer desse dia. Naquele momento
não contive as lágrimas. O meu último dia naquela cidade me marcará para o resto
da vida e jamais esquecerei.
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